sexta-feira, 13 de abril de 2012


O velório da Marquesa Di Fátimo – Capítulo 04

De Junior Dalberto
Revisão de Gilberto F. Costa



04☺☺☺☺
BRENDA: Que lástima! Acho que acabou a cana e meus cigarros. Agora a marquesa vacilou lega!
CORRINHA: Porque, mona?
BRENDA: Agente teve numa Zoraide, lá no Pium, chamada Gilda da pitomba. Ela jogou os búzios e falou que iria rolar merda pra marquesa.
HANNAH: Mas ninguém acredita nas Zoraides, elas só querem levar o aqué das monas.
CORRINHA: Com vidente ou sem vidente a bicha partiu da gente. Vão pegar otin que tô seca.
HANNAH: Vamos ao Baiaiá pegar mais.
CORRINHA: Tô dura!
BRENDA: Eu também! 

HANNAH: Mulé! A marquesa guardava o dinheiro no salto do apató, lembra? 
CORRINHA: Os sapatos dela estão embaixo da cama onde dona Fifia ta dormindo. Nem pensar em perturbar a veia!

BRENDA: “A véia em baixo da cama (...)” (canta)
HANNAH: “a véia criava um veado (...)”
BRENDA: “De noite enquanto a veia dormia (...)”
HANNAH: “O viado gemia e a veia dizia (...)”
BRENDA: “Me deram um fio viado pra alegrar meu dia a dia” – Gargalhada geral.
CORRINHA: Vamos acabar essa rodada e descansar um pouco, amanhã tem o enterro.
BRENDA: Não seja curuca, Corrinha, a marquesa era muito animada. Vamos dar um jeito!
HANNAH: Vá ao Baiaiá... Ele não vai negar uma cana pra tu! Eu vou contigo mona!
O barulho de uma freada brusca na frente da casa faz com que todas as atenções se voltem para o meio da rua. Um taxi encontra-se parado diante da casa. Longe, uivos de cães invadem o silêncio da noite.

A forte chuva persiste. Os travestis se entreolham como se indagando quem seria essa nova visita às três horas da manhã, com todo esse aguaceiro. Pelo menos, era o que marcava um relógio de plástico, verde, em forma de estrela do mar, com a imagem de Iemanjá por trás dos ponteiros e números. O mesmo rivalizava, em quantidade de poeira, com o cartaz da Gretchen nas paredes descascadas do salão.
Um japonês feio, pequeno, gordo e suando em bicas, entra no salão carregando três grandes malas Pradas, colocando-as enfileiradas dentro da sala. Respira aliviado e, ao girar o corpo para sair do salão, dá de cara com o caixão. Treme-se todinho, persigna-se, vê os travestis boquiabertos sentados ao lado do esquife e com a voz embargada fala: Boa Noite!
Depois, retorna rápido para o taxi sem esperar a resposta das travecas que continuam surpresas com a madrugadora visita. O pequeno e suado oriental retira, em seguida, um guarda-chuva de dentro do porta-malas e dirige-se até a porta do carona. Ao abri-la, surge uma estranha figura. Mais precisamente, uma gigantesca e esguia personagem vestida toda em couro negro, com um enorme chapéu de longas abas também negro, botas de couro negro vestindo até os joelhos com um salto agulha de aproximadamente vinte centímetros, um cabelo que chega a altura dos ombros tão lisos e geometricamente cortados que seguem a franja dos olhos ate as pontas como se fossem um único e negro fio que, com um suave balançar do mais simples suspiro, consegue mexer toda a cabeleira.
Um rosto fino, femininamente magnífico, grande olhos circulados por lápis negros realçando a beleza, uma boca com lábios tão carnudos quanto os da estrela mundial Angelina Jolie, um corpo perfeito, grande seios e nádegas opulentas, com uma cintura que lá pras bandas de Jucurutú seria chamada de “cinturinha de pilão”. Um perfume tão delicioso para as narinas mortais que quando desceu do taxi envolveu todo o salão, ou talvez todo o bairro de Nova Descoberta, com aquela exótica fragrância.
Desceu do automóvel segurando pelo antebraço esquerdo, além de uma grossa pulseira escrava em ouro com incrustações de faiscantes diamantes que refletiam a luz da bruxuleante vela que iluminava o cadáver, uma média bolsa Chanel com um pequenino cachorrinho Yorkshire que, acomodado dentro, usava uma toquinha negra com as iniciais D&G, deixando apenas de fora dois olhinhos negros perscrutando o ambiente. A enorme Mona de equé, ciente do poder que emanava a sua presença, olhou para todas e falou: Alors enfants!
CORRINHA: Meninas!!! É a francesa. – Quase gritando e correndo trôpega pra abraçar a amiga.
BRENDA: LORRAINE BIBA!!! VOCÊ VEIO. – Correu para abraçar a visita 
HANNAH: Quem é louca por Fanta? – Perguntando para Brenda.
BRENDA: “Alors Enfants“ é OI CRIANÇAS em francês, tapada Alice. – Dirigindo-se a Hannah.
LORRAINE: Ta tchudo biem? Eu ter muita saudarde de vocês, bisou, bisou. – Beija as amigas.
CORRINHA: Tu se perdeu mesmo nos sotaques. É cosmopolita demais! 
LORRAINE: Fazer o que: quinze anos de Paris, cinco anos entre Toscana, Capri, Milano, dois em Abu Dhabi, mais um monte de meses em Cote D’ Zur, Mikonos, Santorini, Mônaco, Pirineus, Provença, Bali, urfa! e toujours Bresil. 
HANNAH: Ela é francesa mesmo ou é analfabeta?
CORRINHA: Nem uma coisa nem outra.
BRENDA: É uma metida. Isso sim! Mas vamos lá...! Chegou quando Lorraine?
LORRAINE: Nóss saírmos de Monte Carlo ontem e ontem mesmo pegamos o jatinho da Melanie para Paris, mas sem o Bandeiras. Em seguida, o primeiro vôo pro Rio. Mal pisei no Brasil, tomei aquele susto, não existe mais primêrra classe nos avion, um horror! Fiquei angustiadíssima! Como pode uma pessoa simples voar com três malas Pradas, um yorkshire aborrecido, que só veste D&G e mora numa Chanel?
Continuando cansada - O aéreo não tem tapetes, um horror!!! Meu Laboutin sofreu arranhões, eu estar trés triste. Descobri dessa terrifel manêrra que só existe a classe business nos vôos apertadérrimos para Natal. Essas companhias brasileiras são um horror, não são feitas para humanos. Sarkozy gemeu de sofrimanto o Le vôo inteirro... Não ta acostumado com desconforto.
BRENDA: Sarkozy?
HANNAH: O presidente da França veio no mesmo vôo?

LORRAINE: Gesticulando irritada – Mon dieu, Prepúcio Sarkozy é meu cão yorkshire. – Vai até a bolsa Chanel semi aberta e tira de lá um minúsculo cãozinho que, irritadíssimo, começa a grunhir ao ser colocado no chão. 
CORRRINHA: Nossa, que mimo!
BRENDA: Um luxo, de boina e casaco como um bom francês.
LORRAINE: Oui Cest vrai, mas o gorro é italiano, D&G. E tem um coleçon de perruquinhas pras baladas eurropéias. HANNAH: Que que ela disse?
BRENDA: Lorraine mona – empurrando o braço de Hannah – para com essa sacanagem de tá falando em francês que não sou tradutora google de ninguém.
LORRAINE: Desculpe, eu pensei que todas falavam Frances, até Prepúcio Sarkozy comprend.
HANNAH: Eu não falo – Humildemente.
LORRAINE: Desculpa bebê! Eu não vi você, como é seu nome mesmo? 
BRENDA: Começou a esnobação!
HANNAH: Assim H-A-N-N-A-H – Soletra letra por letra – tanto se escreve de frente como pra traz, tanto faz.
LORRAINE: Tão espirituosa!
CORRINHA: Porque o nome do cão é Prepúcio Sarkozy?
LORRAINE: Vejam! – Chama o cão – Vien ici, vien chien cest mama vien!
O cão se aproxima rápido. Lorraine coloca-o no colo e puxa a boina que cobre sua cabeça. Ele automaticamente coloca as patinhas nos olhos e começa a grunhir lentamente como se estivesse chorando. Surge, então, uma enrugada careca rosa na cabeça do cachorro, chegando até a base da orelha parecendo a cabeça enrugada de um pênis. – Eis por que Prepúcio, queridas. Nasceu careca, cabeça de pica enrugada. E Sarkozy em homenagem ao nosso president. – Completa Lorraine. Coloca novamente a boina no cão e o solta no chão. O animal vendo-se livre corre de volta para dentro da bolsa Chanel e fica em silêncio.
LORRAINE: Olhando pro caixão. – E a marquesa, né? Mon Dieu, que lástima! 

BRENDA: E então, estamos bebendo a defunta, mas acabou a cana e a grana! 
LORRAINE: Dinhêrro nom é problemê. – Caminha até a bolsa Chanel onde está alojado o cãozinho, retira de dentro uma carteira Cartier e dela extrai uma pequena soma de dinheiro. Pega uma nota de cem reais e passa para Brenda. Cest ça? Querro dizer Chega?
BRENDA: Dá pra comprar até o Baiaiá! Vamos Hannah, Corrinha faz companhia pra francesa.
CORRINHA: Vão, mas voltem logo. To com sede também.
LORRAINE: Ta bebendo, hein veia?
CORRINHA: Me respeite vagabunda, que tu é quase da minha idade. 

LORRAINE: Era querrida! Fui uma bia no passado distante. Usam bia aqui no Bresil para biba quase idosa? Quando fui pobre eu era feia, agora sou rica e poderosa, RICA!! Comprei minha cara, sou dona da minha idade que é a que seus olhos e o mundo vêem, ou seja, no máximo trinta e um anos.
CORRINHA: E verdade, tu ta é nova. Ta morando onde? Já sei, em hotéis pelo mundo.
LORRAINE: Blasé. Um dia num estúdio an Paris ou London, outro em um castelo no vale de Loire, um resort em Bali, inverno na Cotê D’azur com Albert, verão em Amsterdam, adoro andar de bike entre as tulipas amarelas nos parques holandeses. Semana passada estava com um namoradinho alemão em Dubai, eu e a Naomi com seu príncipe saudita, mas ela é barraqueira demais, vive jogando celulares no povo, arff! Depois que meu marido morreu, virei cidadã do mundo, sou eu, Sarkozy e nossos passaportes. Meus ex’s deixaram castelos na Riviera Francesa, Vinhedos em Portugal, Vilas na Catalunha, uma Ilha na Grécia, Estâncias no sul do Brasil, Resort na Indonésia, até time de futebol na Inglaterra eu possuo, acreditas? Surgem na janela, do lado de fora da casa, Brenda e Hannah que ficam ouvindo boquiabertas a conversa.
HANNAH: E nós aqui pigorando Baiaiá pra pegar cana. Brenda quase baixou a vovó!
BRENDA: CALADA!
CORRINHA: Voltando-se para Lorraine. – Ele era um sheik, não era? 
LORRAINE: Não querida, era um ditador africano; Uma lapa de negão, de coroa de ouro, brilhantes na cabeça e tudo! O Sheik foi antes do africano, morreu também, me deixou alguns diamantes e pagou a minha cirurgia.

CORRINHA: Tu tens sorte hein?
LORRAINE: Nem tanto. O país dele já entrou na Corte internacional, para me tomar tudo, mas eu tenho uma boa dúzia de bons advogados e vai dar tudo certo. – Dirigindo-se para o caixão da Marquesa. – Nossa como ela ta pálida, vamos maquiar e dar um brilho na amiga, eu tenho a nova coleção da Coty na nécessaire. As duas travestis resolvem sair de trás da janela e adentrar na casa.
BRENDA: Entrando com uma garrafa de cachaça. – Eu já havia falado isso. 
HANNAH: Com outra garrafa e cigarros. – E eu concordei, mas me tomaram o esmalte.
CORRINHA: Elza Maria! Você queria era me roubar!
LORRAINE: Vamos tirar ela do caixão e sentar numa cadeira, fica melhor de maquiar. Juntam-se todas e retiram o corpo da marquesa do caixão, sentando-a em uma cadeira de plástico do salão. O pescoço fica caindo para frente. Corrinha vai até outro ambiente e retorna com uma almofada de cetim vermelha, colocando-a ao lado do pescoço para apoiar a cabeça. – Pronto, assim ta melhor! Fala Corrinha para si mesma.
LORRAINE: Meninas, sirvam a bebida que vou começar a maquiagem. As travestis dividem-se. Uma serve as doses de cana, enquanto outra vai pegando as cadeiras e colocando-as em frente à cadeira onde se encontra sentada a marquesa esperando a maquiagem.
HANNAH: Alguém sabe por que esse nome de Marquesa Di Fátimo?

Continua...

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