terça-feira, 24 de abril de 2012


O ELEVADOR

                                                    De Junior Dalberto.



É quase meia-noite e Rafael - um jovem designer de uma famosa empresa publicitária potiguar - caminha apressado pelo corredor do vigésimo oitavo andar do edifício “Antáres”, em Petrópolis, bairro onde esta localizada a empresa na qual trabalha. O seu pensamento corre mais rápido que suas passadas; seu paladar já sente o sabor da cerveja bem gelada que costuma tomar no Bardallos, todas as quintas-feiras, antes de voltar para casa. O Bardallos fica no centro da cidade e é bastante frequentado por todos os tipos da fauna intelectual de Natal, além de pseudointelectuais, artistas com talento e desprovidos de talento, agregadores, solitários e bêbados an passant. 

Para Rafael o Bardallos é um lugar onde ele se diverte com o estranho humor do barman Ricardo e a picardia do proprietário Lula Belmont, produtor cultural, que está sempre com seus enormes olhos perscrutando tudo e muitas vezes dividindo gargalhadas com seus clientes habituês. Se o cineasta espanhol Almodóvar, um dia, apontasse por lá e, observando os notívagos com sua ótica tão peculiar, provasse sua gastronomia juntamente com sua geladíssima cerveja, certamente se entusiasmaria e, com certeza, daria asas a sua imaginação produzindo uma inspirada película.

Ainda no prédio, Rafael vai caminhando pelo corredor e, à sua passagem, as luzes vão apagando-se automaticamente.

Milagres dos sensores.  Pensa o rapaz.

Pára no final do corredor. Três enormes elevadores encontram-se à sua frente e, como sempre, dois estão parados, pois já passam das vinte e duas horas e existe contenção de despesas nesse edifício empresarial. O elevador do centro conserva acesa a luzinha amarela mostrando que se encontra no quarto andar. Rafael, impaciente, olha para os lados, aperta o botão de chamado do elevador e revira os bolsos do terno até encontrar o que procura: uma carteira de cigarros.  Tira um do maço com a mão esquerda, leva-o aos lábios e, em seguida, com a mesma mão, apanha o isqueiro. Antes de acendê-lo as gigantescas portas metálicas do elevador se abrem.

Entra no elevador, coloca as mãos nos bolsos e olha para a câmera filmadora que está disfarçada dentro de um pequenino ponto, no alto do canto esquerdo, acima de um adesivo com o sinal de Proibido Fumar - o tradicional cigarro dentro de um circulo cortado por um traço vermelho. O rapaz moreno claro, magro, bonito, lábios finos e com olhos tão negros quanto o seu cabelo cortado à máquina, rente a pele, do alto de seu 1,80m dá uma risadinha e solta um palavrão, mas, continua conservando o cigarro entre os lábios. O elevador fecha as portas, suavemente, quase sem barulho. O edifício havia sido inaugurado há pouco tempo, portanto, tudo dentro dele era novo, cheirava a novo e tudo estava funcionando perfeitamente.

RAFAEL: (Falando pra si mesmo) Nem acredito que está vazio! Mas já é quase meia-noite e acho que além do besta aqui só deve estar o japonês Yang na portaria e dormindo a sono solto. Isso é bom, pois vou lhe fazer um susto daqueles. (Gritando) - Abre o olho japonês!  Kkkkkkk. Sei que não é politicamente correto, mas bobagem, perde o amigo, mas não a piada. (olhando para o relógio) Ainda bem que esse bairro é tranquilo e essa cidade mais ainda. Jesus, sempre que vejo essa câmera dá uma vontade de cantar e dançar e, normalmente, é sacanagem. (Cantando e rebolando) ­ "Ai se eu te pego, ai se te pego". (Ainda falando para si mesmo) Só quer ser o Teló. Se continuar com essa frescura toda vai terminar queimando a ruela. Sai para longe pensamento nojento. Deus me livre, daqui só sai. Pronto, agora vem aquele pensamento nojento do exame de próstata; sempre que estou brincando vem essa droga de pensamento... Acho que sou meio bipolar; estou sempre me sacaneando, que droga! Quem deve ter inventado esse exame foi a porra de um médico viado ou um viado médico. Só pode ser! Droga, meter o dedo no rabo dos outros, um troço fedorento, feio, cabeludo, sempre cheio de bactérias, sei não, sei não!

(O elevador dá um solavanco) Saravá!!! Eita, que droga é essa? Está parecendo o velho “Varandas Pôr do Sol”. Isso lá é nome de edifício! É o prédio onde moro que, volta e meia, quebra o elevador. Só falta, agora, as portas se abrirem pela metade e do outro lado aparecer a careca lustrada do imbecil do meu síndico Genival. O energúmeno só quer saber de grana, parece até político ou religioso. É dinheiro para o São João do condomínio, para a reforma de piscina que nunca termina, aliás, nunca pisei naquela bosta... Descobri, semana passada, que tem sauna no prédio. Está bem próximo das festas do natal e ele deve vir por ai com a tal da droga da festa de confraternização que só quem frequenta é ele com a família e meia dúzia de velhos esquecidos pelo tempo e pela própria família. Ô prédio de merda! Vou fazer um esforço e me mudar daquela joça.

(O elevador treme bastante e pára. As luzes acendem e apagam e depois voltam a acender). – Droga, puta que pariu! Que merda é essa? Está parado, que droga! E o fresco do japonês não está vendo isso pelas câmeras? Tá droga nenhuma! Deve está é dormindo e eu aqui me lascando... Acorda ô vagabundo filho de uma égua de olho puxado... Acorda e vê se libera essa merda aqui.

(E continuando falando para si mesmo) – Calma, Rafael! Calma! Lembre-se que você foi escoteiro... Calma e sempre alerta; em algum momento ele voltará a funcionar. Tem gerador não, nessa joça? Se paga um condomínio pelos olhos da cara e será que nem gerador tem? Deve ter... É moderno demais. Pânico não! (respira e inspira) Puta que pariu! Isso lá é hora de pensar em pânico? Porque será que esses pensamentos idiotas só vêm a nossa cabeça nas piores horas? Droga, droga, droga... Não vou pensar nisso. Bunda, beijo na boca, bunda, beijo na boca, no poço, quem me tira? Bobagens, quanta besteira. Doce de jaca... Adoro doce de jaca... Talvez, assim, meu pensamento possa levar essa merda de pânico para longe. Respira... Inspira... Respira... Inspira... Isso! Faz como a terapeuta ensinou... Isso! Respiração de bebê. Droga, não ta adiantando! (Batendo nas paredes do elevador) Abre essa porra, Yang! Japonês filho da puta! Porteiro imbecil! Abre essa droga! Tem gente aqui... Estou sufocando, sufocando. Meu deus, eu preciso me acalmar! Fica girando no mesmo lugar nervosamente de braços abertos, depois começa a andar em círculos pelo elevador Um, dois, um, dois, um, dois, três, quatro, um, dois, um, dois, um, dois, três, quatro... Talvez se eu deitar no chão melhore a respiração. Vi alguém falar isso. Abre os botões da camisa. Foi isso, foram os bombeiros ou algum amigo meu. Devo ficar o mais próximo do chão... O ar está entrando pela fresta da porta. Respira, vai Rafael, respira, inspira e respira... Igual quando era criança e perdia o choro. Você não é menino, é um homem agora. Cara, você tem trinta anos, toma vergonha nessa cara, para de ser covarde e relaxa. Paga suas contas sozinho, ainda mora de aluguel... Mas tem um carro importado e totalmente pago, quer dizer, ainda falta uma prestação. Puta que pariu! Porra de consciência de merda. Queria ver o que um político faria preso aqui! Possivelmente ficaria imaginando novos golpes contra nós, pobres filhos da puta, e nem esquentava com a pane do elevador... Tudo da certo para eles no final.

Olha pra mim, Yang! (Pulando, gritando e tentando fitar a câmera o mais próximo que podia) Estou preso, porra! (O elevador desce mais um andar e pára com bastante barulho) Meu deus, eu vou morrer, tenho certeza! Meu deus, não me leve! Devo estar ainda no oitavo andar... Essa merda de marcador de andar parou geral, não marca mais nada. O suor escorre pelo pescoço inundando a camisa. Merda, merda, merda.  Foi sempre assim comigo, desde pequeno eu era sempre o mais lascado. Tudo acontecia comigo... Quem se lascava nas brincadeiras? Eu. Quem caia da bicicleta e quebrava os dentes? Eu. Empurrado do escorrego? Eu. Corredor polonês? Porra, milhares de porrada na cabeça. Sempre eu! Mereço uma morte assim, bem vagabunda, sozinho, dentro de um elevador, matéria de jornal de quinta. Nessa vida só apanho! Comer a mamãe todo mundo quer, agora dar para o papai nem pensar... No cu, pardal! Isso não pode estar acontecendo, estou sonhando.

(Bate a cabeça na porta de metal várias vezes e o eco das pancadas reverberam pelos corredores). Meu deus, vou me lascar todinho nessa queda. Imagino a dor... Que aflição! Esfrega as mãos pelo rosto repetidas vezes. Não Paizinho do Céu, não me leve agora, eu tenho, eu tenho... Tenho nada, não adianta mentir para o Senhor; eu não tenho ninguém para cuidar; sou eu e eu sozinho. Droga de vida, eu sou sozinho; nem pai, nem mãe, nem um irmão para me irritar... Droga de vida. Repete e fica estralando os dedos compulsivamente. Nem tia eu tenho. Maldita orfandade! Também, criado em casa de abrigo de criança só da nisso. É para se fuder mesmo. Quem mandou chegar até aqui? Nem namorada consegue. Cheio de traumas e preconceitos, sempre vendo merda no olhar dos outros; defensiva eterna. Porra, sansei, filho de uma puta, onde está você? Yang, pelo amor de deus, me tira daqui... Te pago uma piranha ou o que tu quiseres. Acorda filho da puta. Deve está vendo essa merda de Big Brother.

Será que ninguém está vendo isso? Que prédio escroto! Fica caminhando em círculos. Vou fumar... Sei que vai piorar tudo, mas talvez seja melhor. Uma boa ideia: a fumaça do cigarro saindo pelas frestas do elevador vai atrair alguém. Claro que vai! Ou, quem sabe, ligar o alarme de fumaça e, então, estou salvo... É isso! Santo cigarro! (acende um cigarro) Nossa, que maravilha! (O elevador balança e desce mais um andar em alta velocidade. Pára de supetão. Rafael se desespera mais ainda; tenta abrir a porta, mas sem sucesso) É o fim! Meu deus, que porra é isso? Estou todo mijado, nem consigo segurar a onda. Meu deusinho, pelo amor de seu filho Jesus Cristo, me tire daqui! Olha aqui, bem no meu olho! Eu prometo, prometo que, se eu sair dessa, deixo de fumar! Juro pela minha alma. Olha aqui: (Mostra a carteira de cigarros aberta) – Só tem três cigarros no maço, mas eu prometo que, se sair, não fumo mais. Juro por deus, ou melhor, pelo senhor mesmo né. Não adianta tentar lhe enganar dizendo que juro pelos meus pais porque já morreram e tu sabes, afinal sabes tudo mesmo.

(O elevador ameaça novamente tremer e apagar as luzes.) Pronto, era só o que faltava acontecer. Ficar no escuro. Puta que pariu, que merda! (Uma fresta de luz passa pelo fundo da porta.) Caralho, caralho! Desculpa-me os palavrões deus, pois sei que nessa situação estamos a sós. Vou até confessar algumas coisas: eu roubei, realmente, o dinheiro do escritório para a festa de confraternização de final de ano, inventei aquela mentira de assalto e coisa e tal, fiz até boletim de ocorrência para dar mais veracidade, lembra? Mas vou devolver tudo, tudinho. Trezentos e oitenta e cinco reais, mas sem juros. Afinal o juro está tão baixinho não é? Estou sufocando... Porque inventei de fumar? Droga, eu estou sem fôlego! Vai rolar pânico, novamente. Eu quero sair daqui... (grita pelas frestas por baixo da porta.) Me ajude dona Alzira do cafezinho... Ouça-me!  (Agora, deitado no piso do elevador com o ouvido esquerdo colado ao chão grita desesperado.) ESTOU PRESOO! Estou preso! Ela houve sobre a vida de todo mundo, deve ser a única pessoa que está acordada a essa hora e... Que horas são? Deixe-me ver no celular. Nossa, estou viajando, mais de meia noite, dona Alzira deve está no terceiro sono. Droga, já se passaram uns vinte minutos desde que entrei nesse elevador e continuo preso aqui dentro!

Esse terno está me sufocando. Gravata vermelha com camisa branca e terno azul marinho, tudo como todo mundo. Parecemos um bando de marionetes. (Desdenha de si próprio, enquanto afrouxa a gravata.) É a moda dos novos executivos de designer... Tem que acompanhar a galera de sampa. Essas porras devem ter vindo de lá mesmo; foram compradas lá na rua vinte e cinco de março, todas falsificadas. Mania deles de achar que ninguém entende. Só porque tem cargo de chefia e manda em meia dúzia de pobres coitados ficam se achando! Babaca, toda a diretoria deve rir de você pelas costas, Rafael. Imbecil e, como todo filho da puta que conseguiu galgar um degrau a mais na vida, ainda pisa na ralé.

Imbecil, imbecil! Agora está preso aqui e prestes a morrer numa queda de sei lá quantos andares. Se transformando numa massa de sangue, ossos e falsas grifes - kkkkkkk - Grande bosta tu fez da tua vida, otário! A única coisa que vai ficar nesse mundo, lembrando sua inútil passagem, talvez seja uma lápide em um cemitério, porque é bem capaz do médico legista, filho da puta, vender o que sobrar do teu corpo para alguma faculdade de medicina. Nunca anda com documentos; aprendeu isso desde pequeno para fugir de policia. Costume de casa vai à praça; os documentos estão todos dentro do carro que está estacionado a duas quadras daqui. Não consegui vaga no prédio... Agora é para se fuder mesmo. Otário! Joga a gravata e o terno no chão do elevador.

(O elevador treme e apaga as luzes) PORRA! Fudeu geral... Que escuridão! Não vejo nem meu dedo. Já sei: o celular! Como não pensei nisso? O bendito celular. Vou tentar o celular. Meu deus, porque não liguei para o meu amigo Bergh do escritório? Ou para o Max? Ou o Robson? Oswalter, esse sim, está sempre com o celular ligado. Mas, e se eles não estiverem a fim de atender? Tem disso também, às vezes o cara está em algum rala e rola, dormindo, ou trabalhando feito o idiota aqui, vai olhar para o visor do aparelho e dar de ombros. Eu faço isso, sempre! Droga de egoísmo mundial. (Fica pulando e gritando dentro do elevador) ESSE MUNDO TEM QUE ACABAR! Cala a boca idiota, pois quem vai se acabar é você mesmo. Merda, merda, merda. Criatura burra merece morrer mesmo. Deixe-me ver! Puta que pariu, ainda mais essa: não tem rede!

CARALHO! LEVA-ME, DEUS! LEVA-ME LOGO, FAZ ESSA MERDA, AFUNDA LOGO DE POÇO ADENTRO! Desculpe-me deus, desculpe-me. E, como diria seu filho, eu não sei o que falo, na verdade, eu nunca soube. E agora? O que faço? Cantar! É isso! Vou cantar alguma coisa para passar o tempo. Caetano? Não sei nenhuma letra inteira dele, apesar de "Oração ao Tempo" ser a minha preferida, ela é perfeita. Mas, que tempo? Rir de si mesmo. O seu está acabando, imbecil! Chico? Qual dos dois? O Buarque ou o Cesar? Tem graça eu ficar gritando aqui mama áfrica rodando de pernas abertas em círculos. (Dar uma gargalhada) Esse clipe do Chico Cesar é hilário! Ele correndo no meio da praça de um interior do nordeste com uma multidão, e quase derruba uma menina, que se afasta do cantor com um olhar de ódio. Bizarro demais cara! Bizarro! Não sei quase nada de letras de músicas. Fagner? Ele tem uma que eu sei, e é mais ou menos assim: “Teu amor é cebola cortada meu bem que eu gosto de... de...” Esqueci! Que merda, esqueci a letra. Deixe-me ver outra: “Você é luz, é raio, estrela e luar, é luz do sol, meu Iaiá meu ioiô, manhã de sol... Manhã de sol...” – Droga Wando, nem tu que tá perto pertinho do homem me ajuda!

Deus, eu prometo... Juro por tu mesmo que, quando sair daqui, vou ser uma nova pessoa, me organizarei financeiramente e criarei uma ONG para tirar crianças da rua. Vou fazer isso mesmo. Meu Deus... ESTÁ ACABANDO A BATERIA DO CELULAR! Japonês filho de uma puta de olho cerrado acorda! Se eu sair daqui, Yang, vou acabar com a tua raça. Está vindo um ataque de asma... Eu sei quando vem; faz mais de quinze anos que eu tive o último ataque; foi uma grande merda. Lembro que começou por fingimento. Eu estava tentando fugir daquele padre safado, o pedófilo do orfanato, que ficava passando a mão nas nossas coisas; eu o odiava. Quando ele aparecia eu tinha até ânsia de vômito. Rezava todas as noites para Deus o matar, e foi daí que veio os meus questionamentos divinos. Como pode deixar um escroto daquele ficar cuidando de crianças? Haviam alguns meninos que gostavam, eu sei, também era tudo viado. (Treme o elevador) Mas, por mim, pouco importa. Vou até sentar no chão e esperar a queda; pode cair de vez, já estou me confessando mesmo, só falta agora encarar o chefão. Pois é, quando aquele urubu nojento aparecia durante as madrugadas nas nossas camas eu era o único que o repelia. Muitas vezes fiquei sem comer; ele me castigava pela manhã dizendo que eu precisava jejuar; dizia que eu estava cheio de pecado; e tudo isso porque eu o repelia. Só fiquei feliz no dia em que as minhas preces foram ouvidas. Obrigado Pai. A bichona quebrou o pescoço caindo da escada, depois de rezar á missa do domingo. Durante o velório enquanto todo mundo chorava, eu dava gargalhadas por dentro. Ri tanto que comecei a me engasgar na cerimônia; todos olhavam para mim me recriminando, mas eu não conseguia parar. Fingi que estava tendo um ataque de asma... E não é que o ataque aconteceu mesmo? Foi um dos piores momentos da minha vida. O fôlego limitado, quase acabando, o peito doendo e limitando minha respiração... Foi terrível. Não, não adianta! Não vou ter um ataque de asma aqui... Não Papai do Céu, pelo amor de Deus, não permita!

(Durante alguns segundo começa a ter um ataque de asma, depois se acalma chorando) Para que isso, meu Deus? Para que isso? Quer me castigar? Já não basta pânico, asma, escuro, elevador despencando e ainda quer que eu acredite em inferno? Socorro... Socorro... Yang? Dona Alzira? Estou enlouquecendo aqui! (Acende outro cigarro.) Eu prometo, deus, esse é o último; vou até jogar e rasgar esse único que ainda está nesse maço. (Pega o maço meio amassado, rasga o cigarro em pedaços, esmaga com o pé e, assobiando, joga o maço vazio e amassado no canto do elevador) Observa que a mancha de urina evaporou. Passa a mão na braguilha e leva-a ao nariz. (Um cheiro forte de urina entra pelas suas narinas.) Que droga, minha calça só fede a urina. Pronto, agora só tem esse que estou fumando. Eu juro que, se me tirares daqui, cumprirei essa promessa, pelo menos essa! Eu juro! Sei que minha vida é totalmente sem rumo, nem sei quem eu sou e para onde irei. Só sei que vou! Contudo, deus, ninguém me ensinou a caminhar. A vida sempre me fez correr. Vivo correndo sempre, atrás de nem sei o que... Só sei que corro sempre. Às vezes até paro um pouco. Sou tão viciado nessa corrida que nem meu próprio pensamento me acompanha, e corro por algo que nem imagino.

(Joga o final do cigarro fora, começa a cantar um trecho de uma música natalina.) Nem sei por que estou cantando isso. Odeio essa música e palhaços! Como odeio palhaços! Acho que eles estão sempre rindo da desgraça da gente com aquelas máscaras idiotas. É tudo pura sedução pra vender algo, eles cobram as risadas sabiam, já parou pra pensar que você paga pra rir no circo? E muitas vezes bem caro, tem o lanche, tem estacionamento, meu deus quanta bobagem estou falando novamente. (As luzes acendem e as portas do elevador se abrem no andar térreo. Rafael levanta de um salto do chão feito uma mola. Apanha o terno do chão; passa da metade da porta, olha pra cima, tira de outro bolso uma nova carteira de cigarros; olha-a; olha para a câmera, abre a carteira e tira um cigarro; em seguida dar de ombros e acendendo-o fala) Obrigado, Pai! Obrigado por tudo, mas...

(Levanta o cigarro aceso para o alto, a fumaça segue em direção ao alto, olha novamente para a câmera e, segurando a porta aberta com o corpo já quase totalmente fora do elevador, dá um salto para fora e fala) A carne é fraca! (Dar uma forte tragada e joga a fumaça para o alto.) Valeu amigo!



                                                                        FIM

Revisor: Professor Gilberto Costa-UFRN

Natal/RN, 31 de março de 2012




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