sexta-feira, 13 de abril de 2012


O velório da Marquesa Di Fátimo – Capítulo 03

 
De Junior Dalberto


HANNAH: Minha nossa senhora das flores, que coisa enorme!! - Fazendo cara de espanto.

BRENDA: A Mona era jarruda, que jeba!!

CORRINHA: Irritadíssima. - Para com isso, deixa a outra em paz. Empurra a Brenda de perto da defunta e cobre novamente o sexo da marquesa com a saia. Porra, que merda é essa bando de filhos da puta, não respeitam nem a defunta.

Um silêncio mortal toma conta do ambiente, os travestis levantam-se das cadeiras e ficam andando meio sem rumo dentro do salão. Corrinha para diante do corpo da Marquesa, tira uma carteira de cigarros do bolso do vestido florido que está vestida, acende um cigarro, dá uma baforada para cima e volta-se para olhar hipnótica o esquife. Hannah foi até a janela e fica mirando à rua alheia à chuva, que voltou a cair agora acompanhada de raios e trovões. Brenda após caminhar em círculos ao lado do caixão, parou ao lado de Corrinha, abraça e pede desculpa. Corrinha responde um tudo bem. Hannah se aproxima e senta em uma das poltronas plásticas ao lado do caixão, sendo seguida pela Brenda.

BRENDA: Corrinha, como foi mesmo a morte da Marquesa? – Senta em uma das poltronas de plásticos ao lado do caixão, acende um cigarro e olha para a defunta. Uma ligeira lágrima tenta correr de seus olhos, ela balança a cabeça e fala pra si: Agora não merda!! Nada de chorar mona Brenda, a Marquesa era só alegria. Vai Corrinha, conta tudo.

HANNAH: até os detalhes mais sórdidos como dizia a falecida. As três riem e brindam com a cachaça servida pela Corrinha. Essa cana está me deixando meio odara.

CORRINHA: Sentando entre a Brenda e Hannah, toma um gole da cana e equilibra o copo sobre o corpo da defunta. – Fique ai – Fala para o copo e em seguida olha para a defunta e conclui: Segura o copo marquesa, mas não bebe que é esse é meu. Bem monas, a história é a seguinte: Ontem à noite foi a festa de saída de santo, lá no terreiro de mãe Eufrásia da cidade da Esperança e a marquesa foi convidada por um paquera novo, um ogãn negão que toca atabaques no terreiro de nome mestre Dado. Dizia a marquesa que é um bofe de bem, porém chave de cadeia e havia passado um tempo preso lá na Argentina. Estava a dois meses de volta. Parece que o pessoal da capoeira da vila de Ponta Negra, o expulsaram do bairro por alguma sacanagem. No momento estava num fuxico com a mãe pequena Luciana Ojubilê, do terreiro da Mãe Eufrásia. Aqueles buchichos grandes que a nossa amiga adorava.

HANNAH: Ela gostava de barraco, era boca de confusão, a boneca.

BRENDA: Nem me fale, mas continue Corrinha. – Toma mais um gole de cachaça e acende um cigarro no fogo da vela.

CORRINHA: E então, ela saiu daqui toda no amarelo e nas pulseiras douradas, parecia até a Margareth Menezes levando o coletivo de piriguetes no Carnatal, um luxo!!

HANNAH: Coletivo de piriguetes? O que é isso? 

BRENDA: É o Bloco Cidadão Nota 10, jumenta Alice!!!!! Todas deram uma sonora gargalhada, o álcool já começava a surtir efeito. Para um pouco que vou fazer um pipizinho. Fala a Brenda.

CORRINHA: Aproveita e traz uma latinha de cana que está em cima da geladeira. Gente é a última, quando acabar, acabou.

HANNAH: A gente vai na bodega de seu Baiaiá, ele abre para a Brenda, a boneca baixa a vovó no vovô de vez em quando, é de graça...

CORRINHA: Caridade, é nêga?

BRENDA: Estou ouvindo, viu fuleiragem- Grita do banheiro. È que ele faz direitinho, e não nego que gosto de gente mais velha. Se ele me pedir em casamento, eu caso e largo a calçada. Termina a frase com uma gargalhada, acompanhada pelas outras duas.

CORRINHA: Continuando, se as duas deixarem... Ela saiu daqui, em direção a essa festa. A última frase que falou foi que aquela noite o negão não escapava. Ele havia ligado diversas vezes naquela tarde para o celular dela. Ela chegou cedo ao terreiro, ligou para mim, insistindo para que eu também fosse à festa. Falou que ainda não havia começado os trabalhos e que iria me apresentar ao famoso mestre Dado.

BRENDA: Estou passada, eu sei quem é a prejura. É um bofe, chave de cadeia mesmo, que quis dá um migué na gente Hannah! Naquele sábado de aleluia, lá no Feitiço, lembra?

HANNAH: De bem o cafuçu, meio dundun sacumé!! Mas eu adoro um negão, só não fui porque a Brenda falou que era fria.


BRENDA: Uma amiga minha, a Suellen da vila de Ponta Negra, estava no bar Conchinchina, perto de onde nós estávamos. Conhece bem o negão de um outro bafô, sacou que estava rolando um clima e ligou para o meu celular, batendo a ficha dele na hora. Parece que estava preso na Argentina, com uma amiga dela, foi solto e veio embora. A amiga está sumida desde então. Disse ainda, que a família da mulher desaparecida colocou a policia atrás dele e ele resolveu se mandar da vila, parece que está morando lá para os lados da Redinha.

CORRINHA: Então é o mesmo, eu o conheci quando cheguei lá. Como já disse é um ogan do terreiro e estava tocando um atabaque, um negro de deixar uma operada no chão. Imagine uma mona de equé feito a marquesa, ela era meio Alice, não era bonecas?

BRENDA: Só quando queria. A marquesa era muito linheira, fazia o tipo tolinha para enganar os bofes.

HANNAH: Ela não tinha nada de Alice, era truqueira mesmo.

CORRINHA: Pois então, o bofe é versátil, afinal ele pegava tudo como vocês mesmas disseram, também pegava uma amapô do terreiro da mãe Eufrásia. 

BRENDA: Você falou o nome dela. Acho que é Luciana Ojubilê.

CORRINHA: É isso, e ela era conhecida também pelo ciúme e pelos barracos que fazia por causa do amante. E a marquesa resolveu jogar o picumã na amapô.

BRENDA: Essa história de jogar o picumã nas rachas, provocar ou causar ciúmes não é legal termina sempre rolando babado.

CORRINHA: Bebendo mais um gole da cana. E então. Quando começou a gira, aquela dança em que os macumbeiros fazem um grande círculo e ficam girando e cantando pontos de macumba para os orixás; e a nossa amiga toda no dourado entrou na dança. Eu, particularmente, acho a música do candomblé um tudo , me seguro pra não cair na roda, fiquei sentada em uma cadeira ao lado da gira acompanhando com as mãos, a música era assim: O sino da igrejinha faz Belém blem blão.

HANNAH E BRENDA BUBU:Dançando e cantando. Deu meia noite o galo já cantou.

CORRINHA, BRENDA BUBU E HANNAH: Todas dançando, girando e cantando ao redor do caixão. Seu tranca rua que é dono da gira, pois sobe gira que ogun mandou.

HANNAH E BRENDA: Girando o corpo como se manifestadas. Vestimenta de cabocla é samambaia é samambaia, saia caboclo não me atrapaiá saia do meio da samambaia. Terminam a canção, todas rolando no chão do salão dando gargalhadas.

CORRINHA: Sentada enxugando o suor do rosto. Foi então que chegou um senhor de idade todo de branco e sentou-se ao meu lado, sorriu e eu claro que retribui. Acho que ficamos. - Gargalhadas.

HANNAH: Danadinha hein!

BRENDA: Enxugando o suor do rosto.

CORRINHA: Não estou morta!!Continuando, a marquesa girava e encarava mestre Dado, ele retribuía com um sorriso maroto, a Luciana viu tudo e estava espumando de ódio. Eu da minha cadeira via tudo, a marquesa brincava com fogo. Um certo momento a Luciana dirigiu-se até a marquesa e fez menção de cumprimentá-la daquela maneira que o povo do candomblé faz, um ombro de cada vez.


A marquesa jogou novamente o picumã, ou seja tripudiou da amapô e abraçou-a. Não chegou a sentir a punhalada pelas costas, Luciana enfiou um punhal que devia ter uns dez centímetros de lâmina até o cabo nas costas da marquesa. Com as duas mãos em um abraço traiçoeiro. A marquesa não deu um grito, foi caindo lentamente pelos braços da assassina até o chão de barro do terreiro.

O povo que estava empolgado na dança, não viu nada do crime, apenas eu, o senhor do meu lado que se chamava pai Esdras e o mestre Dado, fomos testemunhas da maldade da mãe pequena. Quando levantei e corri para o meio do salão, passando entre as criaturas que começavam a se manifestar, a Luciana passou correndo por mim, em direção a saída do terreiro.

Mestre Dado parou de tocar, Pai Esdras ficou de pé, mãe Eufrásia sentiu que algo estava errado, levantou a mão direita para o alto e todo o salão fez silêncio. Chegando perto do corpo da marquesa, ordenou: - Pai Esdras, leve-a ao hospital!! Mestre Dado vai junto com a amiga dela. Qualquer coisa telefone-me e vamos seguindo com os trabalhos...

Enquanto mestre Dado levava a marquesa nos braços até o carro de pai Esdras, eu seguia atrás com a cabeça fervilhando, rezava para nossa senhora das flores não deixar a marquesa morrer. Ela, nos braços do negão, não dava um suspiro. Fomos saindo do terreiro ao som do recomeço dos batuques. Ainda lembro que nessa hora cantavam uma música que demorou a sair da minha cabeça.

Era mais ou menos assim: “Iansã comanda os ventos e a força dos elementos, ela é menina bonita que do céu se precipita entre o principio e o fim”. Tudo a ver com a marquesa. Só que quando chegamos ao Hospital Walfredo Gurgel, a mona estava morta. O mestre Dado sumiu e o pai Esdras também. Fiquei sozinha queridas “alone”como diria a Lorraine. Foi então que lembrei imediatamente de Darquinha cabelereira, que mora lá na Cidade da Esperança, lembram dela? É comadre da marquesa e amiga da Carola de Milano. Liguei para ela e graças a Deus a amapô chegou rapidinho ao hospital. Foi quem resolveu tudo.

A racha se mostrou bem descolada. Eu, coitada, estava com os nervos em frangalhos, totalmente passada no Black & Decker. Darquinha ligou para a Carola e a mona poderosa mandou um amigo italiano, que mora lá em Ponta negra, nos procurar. O Bofe arrasou no aqué. Foi quem pagou tudo lá na funerária do Alecrim. Disse que o pedido da Carola era uma ordem. Depois, ligamos para a mãe da marquesa lá em Regomolero e o restante vocês já sabem. Bebe mais um gole da cachaça.

Continua...

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