sexta-feira, 13 de abril de 2012


O Tango no Espelho – 4º Capítulo

Junior Dalberto
Apresenta
Buenos Aires naquele final de manhã estava cinzenta e fria. Após passarem pelo serviço de imigração e pela aduana, João Paulo, que não largava o livro Pipa Voada sobre Brancas Dunas adquirido na livraria siciliano do Shopping Midway, tropeçou no gigantesco corredor azul do aeroporto de Ezeiza. Maria Rita que o seguia mais atrás riu do seu atropelo e o ajudou a levantar-se.
JOÃO PAULO: Essa leitura é instigante, comecei e não consigo parar.
MARIA RITA: Estou doidinha que você termine logo para eu começar.
JOÃO PAULO: É divertido, trágico, barroco, super descritivo, além de apresentar histórias empolgantes que se misturam. É muito louco. Vou indicar aos meus alunos.
MARIA RITA: Uma amiga da mamãe, a Suellen comprou na Poty livros do Natal shopping, leu e o resumiu numa frase: Uma viagem fantástica sob o sol. Estou curiosíssima. Uma das coisas que me atrai em Natal é o talento dos artistas. Adoro o povo das artes e acho que depois que ler Pipa voada sobre brancas dunas de Junior Dalberto vou me apaixonar por sua literatura. 
JOÃO PAULO: Li no avião uma matéria de um jornal que o grupo Clowns de Shakespeare está arrebentando no sul com Ricardo III. Nós vimos, lembra? 
MARIA RITA: Amo muito aquele grupo. Vejo-o centenas de vezes. 
Na saída, viram um cidadão de seus trinta anos com um cavanhaque e um cabelo cacheado, com um corte no estilo do jogador Maradona, sendo um pouco mais alto que o famoso atleta e bem mais interessante fisicamente. O mesmo segurava uma folha de papel com seus nomes. Dirigiram-se até o rapaz. 
MARIA RITA: Ola! Tudo bem? 
JOÃO PAULO: Somos o casal do cartaz. (Estendendo a mão em cumprimento) 
ROBSON: Tudo bem! (Em um excelente português) Me chamo Robson. Prazer! (Aperta a mão de João e depois a de Maria Rita) 
MARIA RITA: Você fala um perfeito português. 
ROBSON: Obrigado! Já morei no Brasil! Foram cinco anos em Salvador e dois na Praia de Pipa.
JOÃO PAULO: Que ótimo! Moramos em Natal e vamos sempre a Pipa. 
ROBSON: Que ótimo! Amo Pipa, principalmente a Praia do Amor. Adoro também ver o nascer da lua em Tibau na lagoa dos Guarairas... Super mágico aquele pedaço de mundo. 
MARIA RITA: Ai moço, falando assim me deu uma saudade!!! 
JOÃO PAULO: Eu também!
ROBSON: Nem fale! (Ajudando com as valises). Me acompanhem até o carro. Sou o guia de vocês enviado pela empresa. Creio que nos daremos bem. Bom, querem fazer city tour e todos os passeios da empresa ou querem algo com emoção, como falam os bugueiros das dunas de Genipabu? 
JOÃO PAULO: Os dois, se possível! 
MARIA RITA: Mas, com muita emoção! 
ROBSON: Tudo bem! (Dirigindo a van). Vamos até o hotel para fazer a entrada de vocês. Vizinho ao hotel tem um excelente shopping chamado Galerias Pacíficos com ótimos restaurantes e lojas. (Olha pro relógio). São treze horas e dez minutos. Às quinze horas volto para pegar vocês. Farão uma city tour e só retornarão ao hotel após as dezenove horas, que tal? Bem, aqui está o hotel, chegamos! 
MARIA RITA: Legal! Gostei da fachada. Vamos descer rápido, comer algo e fazermos uma caminhada. 
ROBSON: Tudo bem! Mas não esqueçam o compromisso às quinze horas. 
JOÃO PAULO: Impossível. (Entram no hotel) 
As Galerias Pacíficos têm três pisos. Um conjunto de lojas de grifes famosas nos dois pisos superiores e no piso inferior uma praça de alimentação onde o casal degustou uma verdadeira picanha argentina. Além de primarem pelo bom gosto em suas lojas com belíssimas fachadas que nada ficam a dever aos empórios italianos, ela tem um rico detalhe que é seu teto decorado com pinturas renascentistas que nos remete a famosa Capela Sistina em Roma. 
JOÃO PAULO: Sempre que venho aqui fico fascinado por esse teto!
MARIA RITA: É um luxo! Acho os portenhos muito chiques. Vamos caminhar na rua Florida? 
JOÃO PAULO: Vamos sim. É logo aqui na frente. 

Naquele princípio de manhã a Rua Florida estava super lotada. Fazia um frio agradável. Algumas lojas de couro estavam em promoção e os vendedores tentavam seduzir o casal para entrar nas lojas. Uma barraca de flores, em plena avenida, perfumava a via. Um cheiro de lavanda do campo predomina no ar. Mais na frente, passeando pela Rua de Mayo, o casal não consegue resistir ao chique e tradicional café Tortone. Entram no local, compram uma caixa de alfajor negros e pedem dois cafés kopi Luwak ao garçom sem se importarem com o exorbitante preço. Sorriem, enquanto bebericam e saboreiam os tradicionais biscoitos. 
MARIA RITA: Hummm! Isso é que é vida! 
JOÃO PAULO: Vamos voltar para o hotel... Estou querendo transar! 
MARIA RITA: Eu também! Vamos! É o tempo que temos antes do guia chegar. 
Às três horas e quinze minutos saem do hotel na van dirigida por Robson para a city tour. Após percorrerem o centro de Buenos Aires, passam pela Casa Rosada, algumas catedrais famosas, pela Avenida Nove de Julho, com parada ao lado do teatro Colón, e seguem em direção ao bairro de Palermo.
Robson decide passar em frente ao museu Malba para entregar uma encomenda a um funcionário. João Paulo e Maria Rita, enquanto aguardam a sós, pensam em incluir uma visita ao museu no dia seguinte. João Paulo comenta que além do famoso quadro brasileiro Abaporu de Tarsila do Amaral, o acervo do museu ainda conta com obras da Frida Kahlos, Diego Rivera, Picasso, artistas renascentistas, modernistas e um fantástico Caravaggio, esculturas de Rodin, Brecheret, etc.
Falava com o entusiasmo de um amante das artes. Maria Rita também admirava arte e ficou entusiasmada com a oportunidade de ver um legitimo Caravaggio. Conhecia a história do famoso pintor italiano que rivalizou com Miguelangelo. Ela era sua fã. 
ROBSON: Pronto! Desculpem-me pela demora. 
JOÃO PAULO: Robson... Gostaríamos de visitar o museu amanhã! É possível?
ROBSON: É sim. Mas, vocês não gostariam de viver uma aventura surreal, com direito a mistérios, suspense, etc? 
MARIA RITA: Como assim? Deixou-me curiosa! 
ROBSON: É o seguinte: existe uma famosa lenda portenha que, segundo dizem, acontece a meia noite no museu Malba. Fala-se que nessa hora os personagens dos quadros criam vida e tudo se transforma numa grande festa até o nascer do sol. Todavia, essa festa é para poucos privilegiados. Muita gente passa a noite no museu, mas em vão. Outros, mais sortudos, vivem a grande noite de suas vidas. Que tal? 
JOÃO PAULO: Ah, que bom se fosse verdade! Já imaginou, encontrar a Frida e o Diego Rivera numa mesma noite? Seria um sonho! 
MARIA RITA: E o maluco do Caravaggio!? Para mim que falo italiano? Nossa! Meu Deus, seria demais!!!
ROBSON: E então? Tenho um amigo que trabalha no museu e pode deixar uma porta aberta nos fundos por qualquer trezentos pesos. Eu garanto que será um verdadeiro passeio com muita emoção. Topam? 
João Paulo e Maria Rita se entreolham seduzidos pelo clima de aventura. Para Maria Rita, mesmo que não acontecesse nada, o museu seria um lugar inusitado para fazer amor. Ficou excitada com a idéia.
MARIA RITA: Vamos, João Paulo!? Acho que será, no mínimo, divertido.
JOÃO PAULO: Tudo bem, eu topo! 
ROBSON: Ok! Então às vinte e três horas e trinta minutos pegarei vocês no hotel. Importante: é bom portarem um celular para iluminar o caminho. O museu apaga todas as luzes à noite. Vamos agora tomar uma cerveja Quilmes ali no final da Avenida Nueve de Julio, próximo ao Teatro Colón, por minha conta. Depois levarei vocês para o hotel onde se aprontarão para a festa noturna. (Riem todos). 

Vinte e três horas e cinqüenta minutos encontram-se, os três, nos fundos do museu Malba. O amigo do Robson, funcionário do museu, finamente deu as caras e, após receber os trezentos pesos abriu uma porta nos fundos do museu os empurrando para dentro do lugar, trancando-a em seguida. Dentro do museu, que já se encontrava às escuras, João Paulo agarrou no braço de Maria Rita:
JOÃO PAULO: Acho que não foi uma boa idéia. (comentava baixinho): 
MARIA RITA: Bobagem. Se não acontecer nada, damos “uma” e esperamos amanhecer. 
JOÃO PAULO: Ok!
Seguem caminhando pelos corredores utilizando a luz do celular como lanterna. De repente, escutam o som de uma música não muito distante. É um tango... adios nonino  do Astor Piazzolla – Grita João Paulo. 
JOÃO PAULO: É linda essa música! Continua, entusiasticamente. 
MARIA RITA: Silêncio! Fala baixo João!
JOÃO PAULO: Olha Maria, tem uma luz alaranjada saindo por baixo daquela porta! Vamos ver?
MARIA RITA: É de onde está vindo a música. 
Em silêncio, pé ante pé, empurram lentamente a porta. A sala está vazia. A luz laranja está surgindo de dentro de um quadro que se encontra solitário, fixado em uma parede branca, agora diante deles. 
MARIA RITA: Que espécie de iluminação é essa? 
JOÃO PAULO: Desconheço totalmente, parece magia ou feitiçaria! 
O quadro tem aproximadamente dois metros de comprimento. É uma pintura antiga a óleo, que reproduz um casal de bailarinos dançando um tango ao lado de um pianista. Ambos estão vestidos à caráter. A moça, que traja um belo vestido vermelho com uma rosa vermelha presa entre os dentes, parece encarar Maria Rita e João Paulo com um olha inquisidor.
O bailarino, vestido todo de negro e com o cabelo gomalizado, mira a bailarina com um olhar apaixonado. O pianista veste um conjunto de terno e gravata também todo em negro e encontra-se tocando um piano do qual parece sair dele a melodia que o casal brasileiro escuta. Ainda, dentro da moldura, um gigantesco espelho reflete apenas a imagem dos dançarinos. 
JOÃO PAULO: Muito louco isso tudo! Estou ficando assustado.  
MARIA RITA: Calma João! Pode ser efeitos especiais, uma pegadinha argentina ou uma brincadeira do nosso guia. Olha...! Em cima do espelho está escrito: Jogo dos sete erros. Está vendo?
JOÃO PAULO: Acho melhor deixar quieto! Vamos tentar sair daqui? (Puxa-a pelo braço).
MARIA RITA: Nunca! Gostei desse clima de mistério. Já achei um erro. Veja! o vestido da bailarina tem, atrás, cinco botões fechados. No espelho tem dois abertos. Olha! (Dá pulinhos de alegria). O sapato do bailarino no pé esquerdo está desamarrado e no espelho estão todos amarrados. 
JOÃO PAULO: Tenho a impressão que o pianista está rindo da gente. Vamos logo com isso! 
MARIA RITA: Então me ajude. Achei o terceiro! O cabelo dela, no reflexo do espelho, tem uma presilha e no original não tem. A gravata! Veja a gravata, (Quase gritando), ela é mais fina na imagem refletida. Faltam só três. Deixa de ser bobo João, me ajuda! 
JOÃO PAULO: Eles estão sorrindo pra gente...Veja Maria Rita o scarpin dela está fora do pé esquerdo na imagem do espelho, é o quinto erro. Tenho certeza que se movimentaram! (Assustado).
MARIA RITA: Para com essa bobagem... Achei o sexto! Ele não tem cinto na imagem do espelho. Vamos João, me ajude a achar o sétimo erro. Estou aflita! 
JOÃO PAULO: (Tremendo e gaguejando). A rosa! A rooosa caiu da boca dela. 
MARIA RITA: É o sétimo! Você encontrou! Bárbaro João! A rosa vermelha não tem no espelho, é tão óbvio. (Vira-se para João que está pálido). O que houve?

Continua no próximo capítulo...

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