sexta-feira, 13 de abril de 2012


A Barca de Caronte - 6º Capítulo

NO CAPÍTULO ANTERIOR DISCUSSÕES INTERMINÁVEIS DEIXAM OS PERSONAGENS AINDA MAIS ENLOUQUECIDOS COM O QUE SE PASSA AO REDOR. ESTARÃO ELES DORMINDO OU ACORDADOS? VIVOS OU MORTOS?

7º CAPÍTULO
LEONARDO: Bem, após passarmos o dia inteiro comemorando não sei o quê, embarcamos, naquela mesma noite, nesse barco pesqueiro de aproximadamente uns sete ou oito metros de tamanho. Era um barco daqueles pequenos que tem uma cabine de madeira com três lugares, tipo cabine de camionete. No barco havia lugares, em cima, para quatro pessoas, as demais ficavam na parte interna ou no porão.

Apesar de pequeno, o barco possuía uma parte inferior onde ficavam duas pequenas camas presas as laterais; havia ainda uma porta de madeira separando aquele pequeno ambiente: uma mistura de quarto, cozinha e um pequeníssimo banheiro com o vaso e uma pia. Na cozinha, apenas um fogão de duas bocas fixado na parede e um bujãozinho de gás; após a porta de madeira via-se um espaço adaptado para um freezer onde eles colocavam o pescado; do lado de fora, por trás da cabine, na popa da embarcação, viam-se dezenas de gaiolas de madeira usadas na pesca de lagostas.
Bem, saímos de Natal aproximadamente às vinte e duas horas; estava uma noite linda, não tinha lua, mas havia estrelas e planetas; começamos a tentar decifrar constelações... Eu cheguei a ver apenas Escorpião e mais nada. Um vento suave e o barulho da água sendo singrada pelo barco nos excitavam. Alguém abriu uma garrafa de uísque e começamos novamente a festa.
Saímos da cidade mar adentro; depois de duas horas de navegação o tempo mudou, começou a chover. Uma chuva forte batia no vidro da cabine fazendo com que não se enxergasse mais nada no céu; as estrelas sumiram; o barco nos jogava para os lados; comecei a enjoar; acendi um cigarro para ver se a sensação de enjôo passava, mas, que nada, foi muito pior; abri a portinhola que dava para fora da cabine e, me segurando bastante para não cair no mar, tentei vomitar, mas não consegui; decidi usar a pia do pequeno banheiro lá de baixo, mas havia um problema: como seria descer a escadinha sem se machucar?
O barco parecia uma folha ao vento; as ondas o jogavam para todo lado. Olhei para a cara do piloto e vi que ele estava apreensivo; seu ajudante, no canto do banco, parecia que rezava de olhos fechados. Minha amiga, sentada ao lado dele, estava com o olhar apavorado e fumava sem parar; quando cheguei a pia vomitei em todo lugar, menos nela. Com isso, as pessoas que estavam sentadas nas camas esqueceram, por um momento, do medo que estavam sentindo e deram uma boa gargalhada com essa minha epopéia do vômito. Em certo momento o barco diminuiu o balanço e relaxamos, todos. Contudo, o pior ainda estava por vir.
RIANA: Você tem que ser advogado mesmo... é muito enrolado.
JÚLIO: Ou escritor... fantasia demais o assunto.
LEONARDO: Tudo bem, se quiserem encerro por aqui, mas perderão o melhor.
JÚLIO: Claro que não.
RIANA: Convencido, o rapaz! Vá lá, termine sua história.
LEONARDO: E então, quando parei de vomitar respirei bastante e melhorei. O meu amigo Ney levantou da ponta da cama e me ofereceu o lugar; fui até lá e sentei; quando olhei para meus pés vi que havia água no chão do barco; de inicio achei que fosse respingo da tempestade que se abatera lá fora e que, graças a Deus, havia terminado. Decidi ir acompanhando com o olhar até onde havia água e vi que ela saia por baixo da porta que separava o quartinho do freezer de onde estávamos. De repente, todo mundo notou que algo estranho estava acontecendo. Levantei-me da pequena cama e fui abrir a porta de madeira. Nossa, me arrepio até hoje quando lembro essa situação... vejam meu braço!
RIANA: Termina maluco, já estou enlouquecendo de curiosidade.
JÚLIO: Arre, que demora!
LEONARDO: Dentro da sala havia uma verdadeira enxurrada entrando pelo bico do barco, pois ali, bem no início, havia um buraco e a água entrava rapidamente. Ao abrir a porta, a água, que estava presa, invadiu o local onde estávamos. Rapidamente, todo mundo, atropelando-se, correu para a escada que levava até a cabine superior. Fui o último a subir. Quando subi percebi que os meus amigos estavam todos fora da cabine, exatamente na parte aberta onde ficavam as gaiolas. Olhei para o barqueiro e perguntei pelos salva-vidas, ele falou que só haviam cinco, sendo que, um seria dele e o outro do seu ajudante. Começou logo uma confusão: uns gritavam que deveria ser por sorteio, outros alegavam que a culpa pelo barco estar afundando era do barqueiro, alguns diziam que aquela merda não deveria ter saído do porto... todo mundo falava ao mesmo tempo. O ajudante do barqueiro que, já estava vestido com um salva-vidas e segurava outro, colocou outros três ao lado do banco da cabine. O barqueiro levantou a camisa e, mostrando a cintura, exibiu um revólver para dar a entender que não adiantava discutir; ficamos alguns segundo em silêncio que pareceram horas.
O barco já estava com água chegando até a cabine. Alguém rezava alto; as mulheres choravam; o auxiliar do barqueiro, mesmo estando vestido com o salva-vidas, chorava desesperado; subi para onde estavam meus amigos e vi que, do lado de fora, não se via nada, era uma escuridão total. Havia algumas estrelas no céu, mas nem sinal de luzes de cidade. Vi dois garrafões de água mineral, daqueles maiores, cheios, no convés do barco.
Como ninguém tomava nenhuma iniciativa, perguntei quem não sabia nadar e nenhuma das três garotas que estavam conosco sabia; ficou um clima pesado; ouvia-se a respiração angustiada de todo mundo; o barqueiro gritou, de dentro da cabine, que iria fazer uma manobra no barco, mais precisamente uma guinada para retornar para Natal. Segundo ele, até o barco naufragar, se aproximaria o mais que pudesse da costa; eu entreguei os salva-vidas às moças sob os olhares estupefatos dos meus amigos; andei rapidamente até os garrafões e esvaziei um deles; o meu amigo Ney entendeu e correu para esvaziar o outro.
Paulinho ficou nos olhando, surpreso. Voltei-me para ele e falei: “Vamos tentar ficar unidos - eu, você, Ney e os garrafões - vamos nos amarrar nos pulsos com os cintos e esperar pela sorte”. Paulinho e Ney me abraçaram e fizemos como combinamos. No momento seguinte, fomos jogados uns contra os outros. O barqueiro fez a manobra que dissera; o barulho do motor do barco era a única coisa que dava sentido àquela situação angustiante. Eu ficava a todo o momento achando que estava sonhando, e que aquilo não estava acontecendo. Não era possível! Era muito ruim pra ser verdade. Eu era muito jovem para morrer, estava com apenas vinte e três anos. Uma angustia terrível invadiu o meu peito, uma sensação totalmente desconhecida, só sei que era muito ruim... queria chorar, mas não caia, sequer, uma lágrima dos meus olhos; uma saudade enorme, de tudo, invadiu o meu corpo; senti febre, muita febre; a língua embolava.
Nesse momento, com essa quantidade de estranhas sensações invadindo o meu corpo, fui quase jogado para fora do barco pela manobra do barqueiro; ele conseguiu mudar bruscamente a direção do barco, porém, o barco adernou totalmente ficando com a lateral quase que submersa; adernou num ângulo que nos deixou quase que deitados sob a lateral da cabine. Agarrávamos-nos a qualquer coisa que pudesse nos sustentar.
Graças ao Ney não perdemos um dos garrafões, pois ele o prendeu entre a parede da cabine e o seu corpo e, com a outra mão que estava presa ao meu pulso, conseguiu me segurar para que eu não fosse jogado ao mar. Foi um desespero total, todo mundo gritava e, para piorar ainda mais a situação, voltou a chover.
Os grossos pingos de chuva batiam no rosto como se fossem agulhas. Nossa, como doía! Lentamente, o barco foi afundando com o motor ainda funcionando. Até hoje ainda tenho pesadelos com aquele barulho.

Agarrei-me ao máximo no garrafão, pois sabia que ali estava minha salvação; Ney continuava colado comigo. Com o nosso peso parecia que íamos afundar; colocamos o garrafão entre nós dois - na altura do peito – segurando-o com um forte abraço e prendendo-o com o queixo para que não escapasse. Não falávamos nada; a escuridão não deixava sequer ver o branco dos olhos um do outro; as ondas nos jogava para cima e para baixo como se fossemos marionetes. Em pensamento, eu só pedia a Deus para que não deixasse meu corpo ser jogado nas pedras da praia. Pensava nas ostras me cortando, desespero total......    

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