sexta-feira, 13 de abril de 2012


O velório da Marquesa di Fátimo

De Junior Dalberto
CAPÍTULO 01
Naquela fria noite de sábado, não se via nenhuma prostituta ou travesti procurando clientes embaixo dos postes de iluminação da Avenida Roberto Freire, em Ponta Negra.
A Avenida se encontrava totalmente alagada pela chuva, parecendo mais a noite do juízo final, com tamanho dilúvio sem o velho Noé e sua arca para salvar a cidade do sol. No estacionamento do Shopping Cidade Jardim, um táxi parado, com um motorista bastante irritado e uma inusitada passageira discutiam em altos brados, sem se incomodarem com o forte barulho da chuva, que caía sobre o teto do pálio branco. O taxímetro alheio à conversa tarifava sistematicamente a corrida.
JUINÃO: Só mais cinco minutos e nem mais um segundo, se esse viado não aparecer, largo você aqui na chuva e vou à praça. - Enquanto falava, acariciava a gorda barriga que chegava quase até o volante do automóvel. Apesar de não ter ainda trinta anos e possuir um rosto com gordas bochechas, ele aparentava bem mais idade. Talvez pelo excesso de peso e a calvície prematura.

BRENDA BUBU: Para. Já está me dando nos nervos! Que besteira é essa agora? Fique peixe, ela já está vindo, foi só ali secar o cabelo. A chuva acabou com a chapinha dela. Eu não sei por que você reclama tanto se vai receber a grana da corrida. Não está ligado essa merda de taxímetro?
JUINÃO: Nem sempre vocês me pagam, a marquesa morreu e deixou um prego de cem paus.
BRENDA BUBU: Pelo que sei, ela lhe pagava de outra forma, sempre baixava a vovó. - Termina a frase dando uma risada.
JUINÃO: Mentira daquela bichona, ela nunca fez boquete em mim, se ela não estivesse morta você ia ver só! Pra vocês todo mundo é boiola. Puta que pariu! Que porra para demorar, já passou quase meia hora e onde é que ela foi secar o cabelo? Afinal, neste shopping não tem nada aberto a esta hora da noite.
BRENDA BUBU: Hãããnn- (Sarcástica) Claro que é no banheiro, gato. Sabe aquele secador de mãos que é fixado na parede? Pois é, a gente fica embaixo deles e seca o cabelão todo, jogando para um lado e para o outro, feito a Joelma do Calypso, depois sai de lá super gata.
JUINÃO: Sei não visse, sai prá lá. Olha, lá vem a criatura, abre a porta para vocês ficarem juntas.
BRENDA BUBU: Deixe-a ir na frente com você, aqui a trans vai me amassar todinha.
JUINÃO: Nunca, eu conheço os truques de vocês, não vem não hoje vão me pagar com grana viva, estou precisando.
HANNAH: Oi, tudo bom? Demorei? Por que não vou na frente? – Fazendo biquinho com os lábios pintados com um vermelho intenso, insinuando-se para abrir a porta dianteira do carona, enquanto Juinão segurava a trava por dentro, impedindo-a.
BRENDA BUBU: O bofe hoje quer o aqüé, grana nêguinha.
HANNAH: Oh!...que peninha, já estava até me preparando para baixar a vovó.
BRENDA BUBU: Truqueira e ainda dizem que tu és Alice.
HANNAH: Alice é meu edi.. Hei bofe! Nem um bolinho?
JUINÃO: Para com a sacanagem e vamos embora. (seguem em direção a saída do estacionamento) E peguem três paus para pagar o estacionamento. Hannah de Belém faz um muxoxo, fecha a porta do carro, senta-se ao lado da amiga, abre a bolsa e tira cinco reais passando em seguida para Juinão. Toma uó! - Com no máximo vinte e quatro anos, se não fosse o acentuado nó na garganta seria sempre confundida com uma mulher, com mais de um metro e setenta e cinco, acentuado pelos altos saltos, com um corpo todo produzido, como ela faz questão de deixar claro, 500 mililitros de silicone em cada seio, hormônios com aplicações mensais afinaram a voz, uma cintura escultural, cabelos alisados e negros que descem em comprimento até as nádegas arredondadas pela aplicação de silicone, pernas torneadas, belos olhos castanhos e amendoados, que deixam uma ligeira aparência oriental típica de quem é natural da cidade de Belém do Pará, região amazônica do país. Assim como Hannah de Belém, Brenda Bubu também trabalha de dia no salão de beleza da Corrinha, uma madura travesti que mora no próprio salão, no bairro de Nova Descoberta, e que cedeu o espaço para o velório da amiga Marquesa Di Fatimo, destino de todos naquela noite. Às vezes, como naquela ocasião, quando estão sem dinheiro ou só pra curtir, jogam-se no calçadão da Roberto Freire para se prostituir.
Brenda Bubu é carioca de Bangu. Chegou ainda criança com a família, em Natal. O pai, senhor Mauricio, herdou uma vila com dez casinhas, no bairro do Bom Pastor, deixadas por dona Marina avó da Brenda, quando faleceu. Ele largou o emprego de apontador de jogo de bicho, em Nilópolis, bairro do Rio de Janeiro, famoso pela escola de samba “Beija flor de Nilópolis” e veio embora com a mulher Luzinete e Mauricio Junior, o único filho do casal. Na época, estava com dois anos de idade.
Após três meses em Natal, o pai da Brenda foi assassinado na porta de uma das casas da vila, quando tentava acabar com uma briga entre um casal de moradores. Terminou levando uma facada no ombro, desferida por um dos contendores e morreu, ali mesmo, estrebuchando no cimento com a mulher puxando os próprios cabelos em desespero e o filho chorando abraçado às pernas do corpo sem vida. Enquanto isso, no rádio da casa vizinha, o rei Roberto Carlos cantava que queria ter um milhão de amigos.
O assassino conseguiu fugir, mas foi pego no dia seguinte em Tangará, um município vizinho, estava bêbado e fazia arruaças pela cidadezinha. Mauricinho Junior, como era chamado a Brenda quando criança, sempre foi um menino diferente, que vivia pelos cantos agarrado à saia da mãe. Não gostava de brincar com nenhuma outra criança, cresceu solitário. Sua mãe o levou por diversas vezes às igrejas evangélicas, católicas carismáticas, mas o menino pouco falava com as pessoas, ficava sempre desenhando vestidos e mais vestidos em qualquer pedaço de papel que encontrava, todavia sempre com um olhar tristonho e pouco sorria. Alguém aconselhou Luzinete a levar o Mauricinho Junior ao terreiro de mãe Eufrásia de Aridã, no bairro da Cidade da Esperança. Ao chegar, Mauricinho ficou encantado com o lugar. Havia um peji de canto, além de várias imagens de divindades da umbanda.
Ele ficou fascinado pelas imagens de pombas giras e pelas dezenas de bonecas de pano penduradas nas ripas do teto por cordas pelo pescoço, um forte cheiro de incenso e várias velas de diversas cores enchiam o ambiente de fumaça, um sapo seco com a boca costurada estava dentro de um prato vermelho com uma vela pequena preta acesa sobre várias fotografias 3x4 de homens e mulheres.
No chão do peji encontrava-se uma caveira que lembrava um crânio humano de filmes de bruxarias dentro de uma bacia de alumínio cercado de dinheiro em notas e moedas e com uma vela acesa que deixava escorrer cera quente por entre os orifícios onde um dia existiram olhos, nariz e boca, parecia estar rindo daquela estranha situação.
Ao lado do altar das imagens dos Orixás, mais conhecido como peji pelos iniciados e freqüentadores do lugar, estava sentada uma gordinha senhora com um olhar simpático, trajava uma tradicional vestimenta branca de baiana e colares multicoloridos conhecidos por guias.
Já na sua frente, sobre um tamborete de madeira, uma bandeja de madeira trancada por cipós fininhos e coberta por uma pequena toalha de renda branquinha e cheia de búzios, estava a famosa mãe de santo fumando um cachimbo de madeira pendurado nos lábios, dando a impressão que cairia da boca a qualquer movimento.
Ela dirigiu o olhar para o rapaz, franziu a testa, jogou a fumaça do cachimbo no rosto de Mauricinho Junior que tossiu. A velha bruxa deu uma gargalhada e disse que aquilo não tinha jeito, se quisesse ela faria um trabalho pra soltar a pomba gira presa no Erê.
Dona Luzinete fuzilou a mãe Eufrásia com um raivoso olhar, pegou Mauricinho Junior pelo braço, levantou o queixo e saiu dali toda empertigada. Mauricinho ainda olhou para trás, quando estava passando pela porta da rua do terreiro e piscou o olho pra macumbeira. Anos depois decidiu abrir a boca e conversar com a mãe sobre suas tendências femininas.
Sempre foi precoce nos estudos, lia tudo que se relacionava com o seu comportamento, descobriu os hormônios juntamente com a loucura por Madonna, a mãe resignou-se e o apoiou em tudo, adorava o filho e fez dele a filha dos seus sonhos. Vendeu duas casas da vila para a transformação do Mauricinho em Brenda Bubu.
Aos dezoito anos tiveram que mudar de bairro, por causa de uma vizinha enciumada que queria matar a Brenda, que já estava famosa por seduzir os machos da redondeza. Com um rosto feminino, olhar lânguido, um cabelo super bem cuidado, tão bonito e cacheado em cascatas, que parecia um modelo fotográfico. Sua feminilidade e seu corpo escultural esculpido pelas mãos de um famoso cirurgião plástico potiguar, com o dinheiro da venda das casas, causava rebuliço em qualquer ambiente que chegava. Diferente das amigas travestis, Brenda tinha um sonho, cursar uma faculdade de artes, pois adora a História da Arte, sonhava em lecionar nessa área.
Pela manhã, faz cursinho pré-vestibular e não se incomoda nem um pouco com o buillying que sofre diariamente na sala de aula, pois acredita que esse é o preço por ser diferente. Feliz, ela leva a vida totalmente odara como sempre diz. (A chuva estava diminuindo quando passaram em frente ao quartel do exército do bairro de Nova Descoberta).
BRENDA BUBU: Olha Gata, o paraíso é aqui. – Apontando para a guarita do quartel, onde um soldado armado monta guarda do lugar. Os três caem numa gargalhada e o carro passa bruscamente sobre um pequeno buraco da avenida jogando Brenda sobre Hannah.
HANNAH: Cuidado mona! Olha o meu silicone. Se estourar, te mato hein garoto (apontando o indicador para o motorista).
JUINÃO: Estourar que nada, o que tu leva de arrocho nesses peitos já era para ter murchado as bolas.
HANNAH: Que grosso, parece uma cacura nem sei por que te amo. - tenta acariciar o motorista.
JUINÃO: VAI TE LASCAR, E TIRA A MÃO DE MIM E CACURA É SEU ANEL DE COURO. (Gritando)
BRENDA: Mona tu és Alice mesmo. Já te falei que cacura é bicha velha, não bofe uó. Pega esse aqué aqui e completa a corrida, estamos quase chegando. (passa um dinheiro pra colega) No meio da rua um carro está parado impedindo a travessia. Suas luzes estão acesas inclusive uma multicolor no teto que gira enlouquecida.
JUINÃO: Que porra é essa na frente? Acho que é uma viatura da polícia. 
HANNAH: Alibãs, merda, alguém tá de cima?
BRENDA: Tô com um fuminho aquendado na calcinha.
JUINÃO: Caralho, essas travecas sempre aprontam.
BRENDA: Cala a boca seu barriga. Tenho um plano. Hannah quando o policial botar à cara na janela a gente faz super gêmeas.
HANNAH: Fechou mona. (Elevam ambas as palmas abertas da mão direita acima do rosto e batem como um cumprimento). O táxi do Juinão para diante da viatura da policia militar, a chuva agora está bem fina quase parando, numa casa da rua do lado da viatura um grupo de rapazes observa a ação da policia. Dois policias permanecem escorados do lado de fora da viatura, enquanto um mais jovem sai de dentro dela e dirige-se até o táxi, que naquele momento já se encontra com a lâmpada interna acesa, esperando a abordagem. E também com os vidros das janelas do motorista e da parte traseira abaixados.
POLICIAL: Boa noite, documentos, por favor!
HANNAH: Super gêmeas!!!- Fala
BRENDA: Ativar!! – Completa e em seguida as duas beijam-se com bastante lascívia, agarrando-se, esfregando-se com bastante malícia, deixando o motorista e o Policial boquiabertos.
JUINÃO: Passando os documentos para o policial e olhando pra trás, não consegue prender o riso, quando volta o olhar para o policial reconhece o amigo Dorgival, então fala: Galera para de quebrar a louça é o Dorgi.
As duas travestis param de imediato o ensaiado amasso e falam ao mesmo tempo- DORGI!! Diante delas, um rapaz forte, cabelos bem curtos louros, olhos verdes e de corpo atlético, com um uniforme de policial tão colado no corpo que dá pra ver o desenho dos músculos sobre o tecido. A calça deixa-o com um volume tão acentuado que parece que o seu sexo vai saltar na cara de quem estiver próximo, as nádegas parecem duas bolas de futebol unidas.
POLICIAL DORGI: Falem baixo, meus colegas podem ouvir.
HANNAH: Gostoso, bofescândalo, tesouro da mamãe, você ta em falta comigo, meu galego lindo.
BRENDA: Calma gente, o que está acontecendo, Dorgi?!

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