sexta-feira, 13 de abril de 2012


O velório da Marquesa Di Fátimo – Capítulo 05


De Junior Dalberto
05
CORRINHA: Porque nasceu dia 13 de maio. Dia de Nossa Senhora de Fátima! - Persigna-se
HANNAH: Então era para ser Di Fátima!
BRENDA: Óh Herege Alice, a Marquesa é um viado, uma bicha, um travesti e não uma mulher. O nome da Marquesa era Mário di Fátimo! Loucuras da cabeça da mãe dela, que queria uma filha e nasceu uma biba.
HANNAH: Se você tivesse os estudos que eu tive, parava de me fazer Bulling.
LORRAINE: Passando o pancake no rosto da Marquesa. – E o que você estudou mon couer?
CORRINHA: Fala uó! A luxuosa lhe chamou de coração.
HANNAH: Oxente! Todo mundo fala francês, menos eu? Vai vê que se a Marquesa acordar agora vai dar “bonjour.” – Todas caem na gargalhada. – Bem, com doze anos fui expulsa de casa. Minha mãe pegou meu padrasto montado atrás de mim na pia da cozinha e claro que quem levou a culpa foi a Fafá de Belém aqui, né?! Fui viver no mercado ver o peso. Passava o dia ajudando nas barracas da feira e a noite dormia embaixo delas, quando conseguia dormir. Logo cedo, descobri que podia ganhar dinheiro mexendo o corpito e gemendo um pouco.
Esses foram os dois anos de meu primeiro grau, com colação e tudo, me prostituindo pelos buracos de Belém do Pará. Depois, peguei carona com um motorista gaucho e fui parar em Brasília. Levamos duas semanas para chegar porque o motorista preferia ficar montado em cima de mim do que dirigir. Eu até gostava da sacanagem, tudo era novidade pra mim. Fiz o inicio do segundo grau em dez dias. Depois, me largaram no centro de Brasília, no famoso Plano Piloto. Fui lá para a antena gigante do centro, onde tem uma feira hippie.
Toma um grande gole de cachaça, respira, pega o cigarro da mão da Brenda, traga, solta suavemente a fumaça. – Estava iniciando o final do meu segundo grau. Sentada na ponta da antena gigante da TV, eu vi um velho cego tocando acordeon.
Aproximei-me para ouvir a melancólica melodia que falava de uma triste partida, dezembro chegando, de invernos, coisas assim. A suave e depressiva melodia invadiu minha alma e me deixou do tamanho de uma formiguinha. Descobri que estava sozinha nesse mundo de meu Deus e não tinha ninguém nem pra rir de mim se eu levasse um tombo na calçada. Um vazio enorme tomou conta de mim. Abri um berreiro, chorei e solucei feito uma desesperada. Acho que só ali caiu a ficha do que estava acontecendo com a minha vida. Estava com apenas dezessete anos. As pessoas passavam e me olhavam espantadas e algumas enojadas, tipo: “o que é isso? Um desgraçado de um viadinho, um projeto de travesti, magro, mirrado e triste está chorando por que”?
O velho e cego músico veio até onde eu estava, parou a musica e ficou afagando o meu cabelo. Levantou o meu queixo e perguntou se eu queria ir com ele para sua casa. Eu topei na hora. Saímos dali até a rodoviária onde ele comprou duas passagens para Caruaru em Pernambuco. Na viagem, dormi até Petrolina. Foi quase um dia e meio de sono. Quando acordei, ele havia comprado uma maçã e várias caixas de todinhos pra mim. Foi então que me senti amada pela primeira vez. Ficamos juntos por três meses e só então é que fui prestar atenção no homem que ele era. Estava sempre muito limpo, asseado, cheirava a seiva de alfazema, tomava vários banhos por dia. Um dia levou-me a um salão de beleza de um amigo dele, um cearense de nome Landson, gente finíssima e dono de uma gentileza maravilhosa. Foi ele que me ensinou o ofício de cortar cabelos, pintar na química, escovar e até fazer unhas. Fiquei trabalhando um bom tempo com ele. Através do maridão Steve Wonder, da caatinga, eu pude conhecer todos os cegos da redondeza. Já estava até baixando a vovó em braile. Brincadeirinha!

E continuando: Sabem aquelas três irmãs ceguinhas que cantam uma música que quando entra na sua cabeça não sai mais? – As três travestis acenaram “não” com as cabeças. – Bem, é mais ou menos assim: “Atirei no mar, o mar vazou, atirei na moreninha baliei o meu amor”. Não me pergunte o que significa que eu não entendo poônra nenhuma dessa letra, só sei que elas fizeram um filme e foi sucesso. Estava tudo indo aparentemente bem. Porém, eu estava insatisfeita, tenho alma de cigana, não queria ficar ali para sempre, apesar de Caruaru ser linda. De noite, ela parece um gigantesco cuscuz iluminado. Coisa mais que bela, mas me entediava. E o outro problema é que o cego Azrael, esse era seu nome, queria a toda hora ta metendo. Era de manhã, de tarde, de noite, feito cantiga de grilo. Era só ficar a sós e lá vinha ele com a sua estrovenga. Gente, a neca do vovô era coisa do outro mundo! Sabe uma Josefina? Tipo colher de pau de mexer canjica, fina e enorme? Era assim! Eu estava ficando afolozada! Resolvi falar pra mim mesma: “tá na hora de partir!”
Foi então que numa noite fria de inverno, com um belíssimo céu estrelado, depois de nos apresentarmos no pátio do museu de mestre Vitalino, lá no alto do Moura – onde dei uma belíssima Elza numa vaquinha de barro, malhada em preto e branco e assinada pelo próprio Vitalino, a qual guardo como o meu maior tesouro – decidi: aquela seria a noite da minha partida.

Quando estávamos em casa, depois de mais um amorzinho rápido, o véio Azrael decidiu dormir. Eu fui também, fingindo, claro, que estava com sono. Mas, bonecas, aprendam uma: um cego consegue vê o que se passa na sua alma. Não sei o que houve, só sei que, quando me deitei, ele virou-se para mim, passou a mão no meu cabelo do mesmo jeito que fez no dia em que nos conhecemos... Arrepio-me até hoje quando lembro. Vejam! – Mostra os braços.
CORRINHA: Fala logo estrupício!
BRENDA: Já tô nervosa com o final, parece novela. – Toma quase um copo inteiro de cachaça e engasga-se.
LORRAINE: Calma louca! De onde saiu essa tem mais. – E continuou maquiando a Marquesa.
HANNAH: Já que insistem tanto, vou continuar! O cego Azrael – que para mim era o anjo do enxerimento – afagou o meu cabelo, fitou aquele olhar sem brilho nos meus olhos e falou: “Pegue o dinheiro que está dentro do minhaeiro.” Era um cofrinho de uns vinte centímetros de tamanho, na forma de um elefante de cerâmica, muito comum em Caruaru. Era o lugar onde ele guardava as economias. E continuou: “Junte tudo, pegue também esse cordão de ouro”, e foi tirando do pescoço um grosso cordão com uma medalha de São Jorge. É para lhe proteger e que Deus e Santa Luzia lhe acompanhem! Foi terminando essas palavras e virando para o outro lado da cama. Monas... Eu fiquei passada! Estava pensando em dar uma Elza no bofe cego e ele me deu o que tinha de melhor: sua bondade. Sai dali em prantos. Isso foi o meu vestibular na vida.

LORRAINE: E como você chegou aqui? – Estava nesse momento passando um batom vermelho nos lábios da Marquesa, enquanto Corrinha escovava o Cabelo da defunta.
HANNAH: Novamente de carona. Peguei minhas coisas, escondi o cordão de ouro ou trancelim – como chamava minha querida avó Eva e que Deus a tenha – dentro de um saquinho plástico e o coloquei dentro da minha calcinha. Dalí, só tirava quando precisava trabalhar. Mocozei meus panos de bunda e a vaquinha de mestre Vitalino, embalada com bastante papel jornal, e fui para a estrada. Depois de baixar a vovó dezenas de vezes e já com a boca dormente, é que cheguei a Natal.
De inicio, fiquei fascinada pela cidade. Limpinha, uma brisa acariciando nosso rosto, belas casas. Na primeira noite conheci a finada Marquesa, ali, no calçadão da praia de Ponta Negra. Umas amigas minhas de Caruaru já tinham me passado a ficha da pegação que rolava no calçadão. Aluguei um quartinho numa pensão de Dona Beta, na vila de Ponta Negra, bem próximo do cruzeiro, e na primeira noite me joguei no calçadão. Lembro-me que era uma noite fria, sem estrelas no céu. Uma brisa gelada fazia o bico dos meus peitos doerem pra burro. Estava vestida apenas de mini saia e um top. Pronta pra luta. A praia estava cheia de uns gringos lindos, uns lourinhos enormes que eu faria de graça. Adoro homem alto, mas não podia fazer por amor, estava ali pra ganhar o meu pão. No céu, uma coruja do tipo rasga mortalha passou agourando, sobre minha cabeça. Assustada, fiz o sinal da cruz! Foi aí, então, que quase me aconteceu uma desgraça.
BRENDA: Eu sei dessa história!
LORRAINE: Umedecendo a ponta do lápis na própria boca e levando-a as pálpebras da Marquesa. – Ferme La Bouche, Mona! Desculpem, eu disse, cale a boca Bubu, eu quero ouvir tudo!
HANNAH: Um grupo de travas, do tipo barra pesada, não gostou da minha presença no ponto delas e se juntaram pra me dar um pau. Eram seis! Chegaram de surpresa, me jogaram no chão e uma delas puxou uma gilete para cortar minha cara. Eu já tava me sentindo lascada, toda reiada no cimento, quando surgiu a Marquesa dando um tremendo escândalo e atraindo uma viatura da polícia. Terminamos todas, naquela noite, dormindo na cadeia. Claro que eu e a Marquesa dividíamos a mesma cela e as outras estavam noutra. Mas, uma semana depois eu já havia conquistado todas elas. Viramos amigas de infância! Agora estou fazendo mestrado, em pleno calçadão da Roberto Freire, a partir das vinte e duas horas.
LORRAINE: Cest La vie! É a vida! Está quase terminada a maquiagem.
BRENDA: Eu tava lembrando, agora, da última vez que saímos juntas para se divertir. Lembra, Corrinha?
CORRINHA: Lembro! Foi na festa do boi do ano passado.
HANNAH: Foi massa! O final, então, foi um tchuuuuddoo!!! 
CORRINHA: Era o dia do aniversário da Marquesa e quem se apresentou na festa foi o Fagner. 
HANNAH: Não foi por isso que nós fomos? Por causa do Fagner! A Marquesa era louca pelo Fagner.
BRENDA: Mas, o mais divertido foi mesmo ficarmos todas embriagadas e terminarmos a noite com aqueles vaqueiros de Santo Antonio do Salto da Onça!
HANNAH: O seu, né mona?! Eu terminei com o patrão americano deles. Lembram-se de um louro altíssimo, das pernas bem finas, com um andar de cowboy? Mas, com um bafo do cão! Parecia que tinha chulé na boca e insistia o tempo todo em me beijar. Precisei tapar as narinas na hora, lembram?
CORRINHA: O nome dele era Derrick... Nunca esqueci! Um nome bem bonito!
HANNAH: Mas o bafo era um veneno! Apelidamos-lhe de venenoso.
Todas caem na gargalhada, menos Lorraine que fala: – Não estou vendo graça nisso!
CORRINHA: Lorraine, minha linda! Ficamos todas tão bêbadas que acordamos com o sol na cara, jogadas nas cocheiras, no meio da bosta dos cavalos e capim, com os bofes rindo horrores da cara da gente!!!
BRENDA: De vocês? Que nada! Estavam todos dando gargalhadas de mim! 
LORRAINE: Por quê? 
HANNAH: O bofe que ela pegou lhe roubou a calçinha e a biba estava vestida apenas com um pretinho básico e bem curtinho. Quando ela espirrava a neca aparecia! 
BRENDA: Bi! Eu tenho alergia a capim e comecei a espirrar desde quando acordei! Cada espirro era uma gargalhada dos bofes vaqueiramas e por mais que eu puxasse o vestido até os joelhos o danado subia. Foi um sufoco voltar para casa. 
CORRINHA: A marquesa mijou-se toda, dentro do ônibus, de tanto rir. 
HANNAH: Quase fomos presas e ainda teve um bebo chato que nos perturbou até o busão chegar ao campus universitário.
CORRINHA: Pegamos o ônibus cheio e a pobre da Bubu ficou prendendo o vestido entre os joelhos. Mas enquanto ela puxava na frente, a traseira do vestido subia deixando a bunda toda de fora.
BRENDA: O bebo ficava gritando: “Eita, que bunda gostosa!” E eu achando ótimo. Mas, uma garota evangélica começou a reclamar e eu com medo de mais confusão fui puxar o vestido atrás e aí o motorista freou de vez. Eu, claro, levantei os braços pra me segurar e não cair...
HANNAH: E aí foi neca pra todo lado! A biba é dotada, né?!
CORRINHA: O bebo gritou: “Êpa, que é uma muié de trouxa!”
BRENDA: Todo o ônibus olhou para trás. O cobrador puxou a gargalhada e o ônibus veio abaixo de tanto as pessoas rirem. 
HANNAH: Inclusive a gente! 
CORRINHA: Descemos ali mesmo em Potilândia e viemos a pé até aqui.
LORRAINE: Deve ter sido bem constrangedor?!
BRENDA: Que nada! Em solidariedade a Hannah, Corrinha e a Marquesa também tiraram as calçinhas e quando chegamos diante do quartel do exercito, nos viramos para a sentinela e mostramos as bundas.
LORRAINE: Acho que estou um pouco alta, tonta talvez. Bebemos bastante! Pronto, a maquiagem está perfeita!
HANNAH: Estamos é bêbada! Nossa! Você arrasou amiga! Essa é a verdadeira Marquesa! Ela tá linda! 
CORRINHA: São quase cinco horas e daqui a pouco começam a chegar os convidados.
BRENDA: Tô com vontade de cantar a musica dela. Vamos?

CONTINUA...
Capítulo dedicado aos talentosos artistas potiguares Josean Rodrigues e Divina Shakira.

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