segunda-feira, 30 de abril de 2012

GAIVOTAS


Mergulho com minhas penas e bico
Embico
O mar
A terra
O ar
Lar
Mergulho minha alma
Dentro das águas
Vida com a morte
No ar
Limpo meus pecados
Sujo de sangue e escamas
Terra
Lar
Respiro
Miro
Mergulho com minhas penas e bico
.
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De Jr Dalberto



terça-feira, 24 de abril de 2012


O ELEVADOR

                                                    De Junior Dalberto.



É quase meia-noite e Rafael - um jovem designer de uma famosa empresa publicitária potiguar - caminha apressado pelo corredor do vigésimo oitavo andar do edifício “Antáres”, em Petrópolis, bairro onde esta localizada a empresa na qual trabalha. O seu pensamento corre mais rápido que suas passadas; seu paladar já sente o sabor da cerveja bem gelada que costuma tomar no Bardallos, todas as quintas-feiras, antes de voltar para casa. O Bardallos fica no centro da cidade e é bastante frequentado por todos os tipos da fauna intelectual de Natal, além de pseudointelectuais, artistas com talento e desprovidos de talento, agregadores, solitários e bêbados an passant. 

Para Rafael o Bardallos é um lugar onde ele se diverte com o estranho humor do barman Ricardo e a picardia do proprietário Lula Belmont, produtor cultural, que está sempre com seus enormes olhos perscrutando tudo e muitas vezes dividindo gargalhadas com seus clientes habituês. Se o cineasta espanhol Almodóvar, um dia, apontasse por lá e, observando os notívagos com sua ótica tão peculiar, provasse sua gastronomia juntamente com sua geladíssima cerveja, certamente se entusiasmaria e, com certeza, daria asas a sua imaginação produzindo uma inspirada película.

Ainda no prédio, Rafael vai caminhando pelo corredor e, à sua passagem, as luzes vão apagando-se automaticamente.

Milagres dos sensores.  Pensa o rapaz.

Pára no final do corredor. Três enormes elevadores encontram-se à sua frente e, como sempre, dois estão parados, pois já passam das vinte e duas horas e existe contenção de despesas nesse edifício empresarial. O elevador do centro conserva acesa a luzinha amarela mostrando que se encontra no quarto andar. Rafael, impaciente, olha para os lados, aperta o botão de chamado do elevador e revira os bolsos do terno até encontrar o que procura: uma carteira de cigarros.  Tira um do maço com a mão esquerda, leva-o aos lábios e, em seguida, com a mesma mão, apanha o isqueiro. Antes de acendê-lo as gigantescas portas metálicas do elevador se abrem.

Entra no elevador, coloca as mãos nos bolsos e olha para a câmera filmadora que está disfarçada dentro de um pequenino ponto, no alto do canto esquerdo, acima de um adesivo com o sinal de Proibido Fumar - o tradicional cigarro dentro de um circulo cortado por um traço vermelho. O rapaz moreno claro, magro, bonito, lábios finos e com olhos tão negros quanto o seu cabelo cortado à máquina, rente a pele, do alto de seu 1,80m dá uma risadinha e solta um palavrão, mas, continua conservando o cigarro entre os lábios. O elevador fecha as portas, suavemente, quase sem barulho. O edifício havia sido inaugurado há pouco tempo, portanto, tudo dentro dele era novo, cheirava a novo e tudo estava funcionando perfeitamente.

RAFAEL: (Falando pra si mesmo) Nem acredito que está vazio! Mas já é quase meia-noite e acho que além do besta aqui só deve estar o japonês Yang na portaria e dormindo a sono solto. Isso é bom, pois vou lhe fazer um susto daqueles. (Gritando) - Abre o olho japonês!  Kkkkkkk. Sei que não é politicamente correto, mas bobagem, perde o amigo, mas não a piada. (olhando para o relógio) Ainda bem que esse bairro é tranquilo e essa cidade mais ainda. Jesus, sempre que vejo essa câmera dá uma vontade de cantar e dançar e, normalmente, é sacanagem. (Cantando e rebolando) ­ "Ai se eu te pego, ai se te pego". (Ainda falando para si mesmo) Só quer ser o Teló. Se continuar com essa frescura toda vai terminar queimando a ruela. Sai para longe pensamento nojento. Deus me livre, daqui só sai. Pronto, agora vem aquele pensamento nojento do exame de próstata; sempre que estou brincando vem essa droga de pensamento... Acho que sou meio bipolar; estou sempre me sacaneando, que droga! Quem deve ter inventado esse exame foi a porra de um médico viado ou um viado médico. Só pode ser! Droga, meter o dedo no rabo dos outros, um troço fedorento, feio, cabeludo, sempre cheio de bactérias, sei não, sei não!

(O elevador dá um solavanco) Saravá!!! Eita, que droga é essa? Está parecendo o velho “Varandas Pôr do Sol”. Isso lá é nome de edifício! É o prédio onde moro que, volta e meia, quebra o elevador. Só falta, agora, as portas se abrirem pela metade e do outro lado aparecer a careca lustrada do imbecil do meu síndico Genival. O energúmeno só quer saber de grana, parece até político ou religioso. É dinheiro para o São João do condomínio, para a reforma de piscina que nunca termina, aliás, nunca pisei naquela bosta... Descobri, semana passada, que tem sauna no prédio. Está bem próximo das festas do natal e ele deve vir por ai com a tal da droga da festa de confraternização que só quem frequenta é ele com a família e meia dúzia de velhos esquecidos pelo tempo e pela própria família. Ô prédio de merda! Vou fazer um esforço e me mudar daquela joça.

(O elevador treme bastante e pára. As luzes acendem e apagam e depois voltam a acender). – Droga, puta que pariu! Que merda é essa? Está parado, que droga! E o fresco do japonês não está vendo isso pelas câmeras? Tá droga nenhuma! Deve está é dormindo e eu aqui me lascando... Acorda ô vagabundo filho de uma égua de olho puxado... Acorda e vê se libera essa merda aqui.

(E continuando falando para si mesmo) – Calma, Rafael! Calma! Lembre-se que você foi escoteiro... Calma e sempre alerta; em algum momento ele voltará a funcionar. Tem gerador não, nessa joça? Se paga um condomínio pelos olhos da cara e será que nem gerador tem? Deve ter... É moderno demais. Pânico não! (respira e inspira) Puta que pariu! Isso lá é hora de pensar em pânico? Porque será que esses pensamentos idiotas só vêm a nossa cabeça nas piores horas? Droga, droga, droga... Não vou pensar nisso. Bunda, beijo na boca, bunda, beijo na boca, no poço, quem me tira? Bobagens, quanta besteira. Doce de jaca... Adoro doce de jaca... Talvez, assim, meu pensamento possa levar essa merda de pânico para longe. Respira... Inspira... Respira... Inspira... Isso! Faz como a terapeuta ensinou... Isso! Respiração de bebê. Droga, não ta adiantando! (Batendo nas paredes do elevador) Abre essa porra, Yang! Japonês filho da puta! Porteiro imbecil! Abre essa droga! Tem gente aqui... Estou sufocando, sufocando. Meu deus, eu preciso me acalmar! Fica girando no mesmo lugar nervosamente de braços abertos, depois começa a andar em círculos pelo elevador Um, dois, um, dois, um, dois, três, quatro, um, dois, um, dois, um, dois, três, quatro... Talvez se eu deitar no chão melhore a respiração. Vi alguém falar isso. Abre os botões da camisa. Foi isso, foram os bombeiros ou algum amigo meu. Devo ficar o mais próximo do chão... O ar está entrando pela fresta da porta. Respira, vai Rafael, respira, inspira e respira... Igual quando era criança e perdia o choro. Você não é menino, é um homem agora. Cara, você tem trinta anos, toma vergonha nessa cara, para de ser covarde e relaxa. Paga suas contas sozinho, ainda mora de aluguel... Mas tem um carro importado e totalmente pago, quer dizer, ainda falta uma prestação. Puta que pariu! Porra de consciência de merda. Queria ver o que um político faria preso aqui! Possivelmente ficaria imaginando novos golpes contra nós, pobres filhos da puta, e nem esquentava com a pane do elevador... Tudo da certo para eles no final.

Olha pra mim, Yang! (Pulando, gritando e tentando fitar a câmera o mais próximo que podia) Estou preso, porra! (O elevador desce mais um andar e pára com bastante barulho) Meu deus, eu vou morrer, tenho certeza! Meu deus, não me leve! Devo estar ainda no oitavo andar... Essa merda de marcador de andar parou geral, não marca mais nada. O suor escorre pelo pescoço inundando a camisa. Merda, merda, merda.  Foi sempre assim comigo, desde pequeno eu era sempre o mais lascado. Tudo acontecia comigo... Quem se lascava nas brincadeiras? Eu. Quem caia da bicicleta e quebrava os dentes? Eu. Empurrado do escorrego? Eu. Corredor polonês? Porra, milhares de porrada na cabeça. Sempre eu! Mereço uma morte assim, bem vagabunda, sozinho, dentro de um elevador, matéria de jornal de quinta. Nessa vida só apanho! Comer a mamãe todo mundo quer, agora dar para o papai nem pensar... No cu, pardal! Isso não pode estar acontecendo, estou sonhando.

(Bate a cabeça na porta de metal várias vezes e o eco das pancadas reverberam pelos corredores). Meu deus, vou me lascar todinho nessa queda. Imagino a dor... Que aflição! Esfrega as mãos pelo rosto repetidas vezes. Não Paizinho do Céu, não me leve agora, eu tenho, eu tenho... Tenho nada, não adianta mentir para o Senhor; eu não tenho ninguém para cuidar; sou eu e eu sozinho. Droga de vida, eu sou sozinho; nem pai, nem mãe, nem um irmão para me irritar... Droga de vida. Repete e fica estralando os dedos compulsivamente. Nem tia eu tenho. Maldita orfandade! Também, criado em casa de abrigo de criança só da nisso. É para se fuder mesmo. Quem mandou chegar até aqui? Nem namorada consegue. Cheio de traumas e preconceitos, sempre vendo merda no olhar dos outros; defensiva eterna. Porra, sansei, filho de uma puta, onde está você? Yang, pelo amor de deus, me tira daqui... Te pago uma piranha ou o que tu quiseres. Acorda filho da puta. Deve está vendo essa merda de Big Brother.

Será que ninguém está vendo isso? Que prédio escroto! Fica caminhando em círculos. Vou fumar... Sei que vai piorar tudo, mas talvez seja melhor. Uma boa ideia: a fumaça do cigarro saindo pelas frestas do elevador vai atrair alguém. Claro que vai! Ou, quem sabe, ligar o alarme de fumaça e, então, estou salvo... É isso! Santo cigarro! (acende um cigarro) Nossa, que maravilha! (O elevador balança e desce mais um andar em alta velocidade. Pára de supetão. Rafael se desespera mais ainda; tenta abrir a porta, mas sem sucesso) É o fim! Meu deus, que porra é isso? Estou todo mijado, nem consigo segurar a onda. Meu deusinho, pelo amor de seu filho Jesus Cristo, me tire daqui! Olha aqui, bem no meu olho! Eu prometo, prometo que, se eu sair dessa, deixo de fumar! Juro pela minha alma. Olha aqui: (Mostra a carteira de cigarros aberta) – Só tem três cigarros no maço, mas eu prometo que, se sair, não fumo mais. Juro por deus, ou melhor, pelo senhor mesmo né. Não adianta tentar lhe enganar dizendo que juro pelos meus pais porque já morreram e tu sabes, afinal sabes tudo mesmo.

(O elevador ameaça novamente tremer e apagar as luzes.) Pronto, era só o que faltava acontecer. Ficar no escuro. Puta que pariu, que merda! (Uma fresta de luz passa pelo fundo da porta.) Caralho, caralho! Desculpa-me os palavrões deus, pois sei que nessa situação estamos a sós. Vou até confessar algumas coisas: eu roubei, realmente, o dinheiro do escritório para a festa de confraternização de final de ano, inventei aquela mentira de assalto e coisa e tal, fiz até boletim de ocorrência para dar mais veracidade, lembra? Mas vou devolver tudo, tudinho. Trezentos e oitenta e cinco reais, mas sem juros. Afinal o juro está tão baixinho não é? Estou sufocando... Porque inventei de fumar? Droga, eu estou sem fôlego! Vai rolar pânico, novamente. Eu quero sair daqui... (grita pelas frestas por baixo da porta.) Me ajude dona Alzira do cafezinho... Ouça-me!  (Agora, deitado no piso do elevador com o ouvido esquerdo colado ao chão grita desesperado.) ESTOU PRESOO! Estou preso! Ela houve sobre a vida de todo mundo, deve ser a única pessoa que está acordada a essa hora e... Que horas são? Deixe-me ver no celular. Nossa, estou viajando, mais de meia noite, dona Alzira deve está no terceiro sono. Droga, já se passaram uns vinte minutos desde que entrei nesse elevador e continuo preso aqui dentro!

Esse terno está me sufocando. Gravata vermelha com camisa branca e terno azul marinho, tudo como todo mundo. Parecemos um bando de marionetes. (Desdenha de si próprio, enquanto afrouxa a gravata.) É a moda dos novos executivos de designer... Tem que acompanhar a galera de sampa. Essas porras devem ter vindo de lá mesmo; foram compradas lá na rua vinte e cinco de março, todas falsificadas. Mania deles de achar que ninguém entende. Só porque tem cargo de chefia e manda em meia dúzia de pobres coitados ficam se achando! Babaca, toda a diretoria deve rir de você pelas costas, Rafael. Imbecil e, como todo filho da puta que conseguiu galgar um degrau a mais na vida, ainda pisa na ralé.

Imbecil, imbecil! Agora está preso aqui e prestes a morrer numa queda de sei lá quantos andares. Se transformando numa massa de sangue, ossos e falsas grifes - kkkkkkk - Grande bosta tu fez da tua vida, otário! A única coisa que vai ficar nesse mundo, lembrando sua inútil passagem, talvez seja uma lápide em um cemitério, porque é bem capaz do médico legista, filho da puta, vender o que sobrar do teu corpo para alguma faculdade de medicina. Nunca anda com documentos; aprendeu isso desde pequeno para fugir de policia. Costume de casa vai à praça; os documentos estão todos dentro do carro que está estacionado a duas quadras daqui. Não consegui vaga no prédio... Agora é para se fuder mesmo. Otário! Joga a gravata e o terno no chão do elevador.

(O elevador treme e apaga as luzes) PORRA! Fudeu geral... Que escuridão! Não vejo nem meu dedo. Já sei: o celular! Como não pensei nisso? O bendito celular. Vou tentar o celular. Meu deus, porque não liguei para o meu amigo Bergh do escritório? Ou para o Max? Ou o Robson? Oswalter, esse sim, está sempre com o celular ligado. Mas, e se eles não estiverem a fim de atender? Tem disso também, às vezes o cara está em algum rala e rola, dormindo, ou trabalhando feito o idiota aqui, vai olhar para o visor do aparelho e dar de ombros. Eu faço isso, sempre! Droga de egoísmo mundial. (Fica pulando e gritando dentro do elevador) ESSE MUNDO TEM QUE ACABAR! Cala a boca idiota, pois quem vai se acabar é você mesmo. Merda, merda, merda. Criatura burra merece morrer mesmo. Deixe-me ver! Puta que pariu, ainda mais essa: não tem rede!

CARALHO! LEVA-ME, DEUS! LEVA-ME LOGO, FAZ ESSA MERDA, AFUNDA LOGO DE POÇO ADENTRO! Desculpe-me deus, desculpe-me. E, como diria seu filho, eu não sei o que falo, na verdade, eu nunca soube. E agora? O que faço? Cantar! É isso! Vou cantar alguma coisa para passar o tempo. Caetano? Não sei nenhuma letra inteira dele, apesar de "Oração ao Tempo" ser a minha preferida, ela é perfeita. Mas, que tempo? Rir de si mesmo. O seu está acabando, imbecil! Chico? Qual dos dois? O Buarque ou o Cesar? Tem graça eu ficar gritando aqui mama áfrica rodando de pernas abertas em círculos. (Dar uma gargalhada) Esse clipe do Chico Cesar é hilário! Ele correndo no meio da praça de um interior do nordeste com uma multidão, e quase derruba uma menina, que se afasta do cantor com um olhar de ódio. Bizarro demais cara! Bizarro! Não sei quase nada de letras de músicas. Fagner? Ele tem uma que eu sei, e é mais ou menos assim: “Teu amor é cebola cortada meu bem que eu gosto de... de...” Esqueci! Que merda, esqueci a letra. Deixe-me ver outra: “Você é luz, é raio, estrela e luar, é luz do sol, meu Iaiá meu ioiô, manhã de sol... Manhã de sol...” – Droga Wando, nem tu que tá perto pertinho do homem me ajuda!

Deus, eu prometo... Juro por tu mesmo que, quando sair daqui, vou ser uma nova pessoa, me organizarei financeiramente e criarei uma ONG para tirar crianças da rua. Vou fazer isso mesmo. Meu Deus... ESTÁ ACABANDO A BATERIA DO CELULAR! Japonês filho de uma puta de olho cerrado acorda! Se eu sair daqui, Yang, vou acabar com a tua raça. Está vindo um ataque de asma... Eu sei quando vem; faz mais de quinze anos que eu tive o último ataque; foi uma grande merda. Lembro que começou por fingimento. Eu estava tentando fugir daquele padre safado, o pedófilo do orfanato, que ficava passando a mão nas nossas coisas; eu o odiava. Quando ele aparecia eu tinha até ânsia de vômito. Rezava todas as noites para Deus o matar, e foi daí que veio os meus questionamentos divinos. Como pode deixar um escroto daquele ficar cuidando de crianças? Haviam alguns meninos que gostavam, eu sei, também era tudo viado. (Treme o elevador) Mas, por mim, pouco importa. Vou até sentar no chão e esperar a queda; pode cair de vez, já estou me confessando mesmo, só falta agora encarar o chefão. Pois é, quando aquele urubu nojento aparecia durante as madrugadas nas nossas camas eu era o único que o repelia. Muitas vezes fiquei sem comer; ele me castigava pela manhã dizendo que eu precisava jejuar; dizia que eu estava cheio de pecado; e tudo isso porque eu o repelia. Só fiquei feliz no dia em que as minhas preces foram ouvidas. Obrigado Pai. A bichona quebrou o pescoço caindo da escada, depois de rezar á missa do domingo. Durante o velório enquanto todo mundo chorava, eu dava gargalhadas por dentro. Ri tanto que comecei a me engasgar na cerimônia; todos olhavam para mim me recriminando, mas eu não conseguia parar. Fingi que estava tendo um ataque de asma... E não é que o ataque aconteceu mesmo? Foi um dos piores momentos da minha vida. O fôlego limitado, quase acabando, o peito doendo e limitando minha respiração... Foi terrível. Não, não adianta! Não vou ter um ataque de asma aqui... Não Papai do Céu, pelo amor de Deus, não permita!

(Durante alguns segundo começa a ter um ataque de asma, depois se acalma chorando) Para que isso, meu Deus? Para que isso? Quer me castigar? Já não basta pânico, asma, escuro, elevador despencando e ainda quer que eu acredite em inferno? Socorro... Socorro... Yang? Dona Alzira? Estou enlouquecendo aqui! (Acende outro cigarro.) Eu prometo, deus, esse é o último; vou até jogar e rasgar esse único que ainda está nesse maço. (Pega o maço meio amassado, rasga o cigarro em pedaços, esmaga com o pé e, assobiando, joga o maço vazio e amassado no canto do elevador) Observa que a mancha de urina evaporou. Passa a mão na braguilha e leva-a ao nariz. (Um cheiro forte de urina entra pelas suas narinas.) Que droga, minha calça só fede a urina. Pronto, agora só tem esse que estou fumando. Eu juro que, se me tirares daqui, cumprirei essa promessa, pelo menos essa! Eu juro! Sei que minha vida é totalmente sem rumo, nem sei quem eu sou e para onde irei. Só sei que vou! Contudo, deus, ninguém me ensinou a caminhar. A vida sempre me fez correr. Vivo correndo sempre, atrás de nem sei o que... Só sei que corro sempre. Às vezes até paro um pouco. Sou tão viciado nessa corrida que nem meu próprio pensamento me acompanha, e corro por algo que nem imagino.

(Joga o final do cigarro fora, começa a cantar um trecho de uma música natalina.) Nem sei por que estou cantando isso. Odeio essa música e palhaços! Como odeio palhaços! Acho que eles estão sempre rindo da desgraça da gente com aquelas máscaras idiotas. É tudo pura sedução pra vender algo, eles cobram as risadas sabiam, já parou pra pensar que você paga pra rir no circo? E muitas vezes bem caro, tem o lanche, tem estacionamento, meu deus quanta bobagem estou falando novamente. (As luzes acendem e as portas do elevador se abrem no andar térreo. Rafael levanta de um salto do chão feito uma mola. Apanha o terno do chão; passa da metade da porta, olha pra cima, tira de outro bolso uma nova carteira de cigarros; olha-a; olha para a câmera, abre a carteira e tira um cigarro; em seguida dar de ombros e acendendo-o fala) Obrigado, Pai! Obrigado por tudo, mas...

(Levanta o cigarro aceso para o alto, a fumaça segue em direção ao alto, olha novamente para a câmera e, segurando a porta aberta com o corpo já quase totalmente fora do elevador, dá um salto para fora e fala) A carne é fraca! (Dar uma forte tragada e joga a fumaça para o alto.) Valeu amigo!



                                                                        FIM

Revisor: Professor Gilberto Costa-UFRN

Natal/RN, 31 de março de 2012




sexta-feira, 13 de abril de 2012


Quem é Jr Dalberto
Alberto Barros é mais brasileiro que potiguar. Morou em vários estados e também no Distrito Federal, algo que pode ser detectado em seu sotaque. Numa mistura de sons – que lembra o falar do carioca, pernambucano e óbvio, do potiguar – Alberto pronuncia o seu amor a arte: “nunca parei de ser artista. Quando completou o trigésimo ano na Polícia Federal pedi minha aposentadoria, não queria ficar nem mais um segundo. Não tenho nada contra ao meu antigo trabalho, mas o que eu mais gosto de fazer, é arte”. Na década de 80, no Rio de Janeiro, foi o autor de “Um robô no mundo da fantasia”, encenada no Teatro Tereza Rachel, Rio de Janeiro. Escreveu também “Na trilha da ilha da caveira que ri”, montada em Natal nos anos de 1997, 2005 e 2008. Tem inúmeras peças inéditas e escreve o próximo livro, com título ainda não divulgado.
Sua incursão na literatura começou cedo. Aos 8 anos de idade abria mão da companhia dos amigos nas intermináveis peladas, para passar o tempo na Biblioteca Câmara Cascudo. “Quando ainda era uma excelente biblioteca. Passei por lá e fiquei muito triste com o que vi. Vou deixar um exemplar de meu livro lá”, disse. Aos 10 anos de idade, Alberto já tinha lido vários clássicos da literatura brasileira. Depois vieram os de língua estrangeira e também a vontade de atuar e escrever peças teatrais.

O Tango no Espelho

De Junior Dalberto

INÍCIO
CAPíTULO 01

A lua gigante daquela semana de março de 2011 realmente mexeu com a cabeça das pessoas, dourada e gigantesca parecendo um balão inflado e solto sobre o azul celeste, lançava estranhos raios em cores alaranjadas, meio divididas, deixando que longos e verticais tons azuis celestes as separassem, iniciando-se na linha da marca do oceano até a sua plenitude aérea. A brisa que chegava do além mar não refrescava aquele quente inicio de noite.

O satélite seguia seu curso ao lado das dunas famosas do morro do careca, da praia de Ponta Negra em Natal com sua mágica e instigante beleza. Atraídos pela novidade que havia sido divulgada toda a semana pela internet e pela mídia televisiva que deixou todo o país curioso em ver “in loco” um fato que só ocorria de trinta em trinta anos. João Paulo e Maria Rita caminhavam lado a lado na praia de Ponta Negra, devia ser dezoito horas aproximadamente, estava uma noite muito quente, o barulho das marolas das ondas do mar morrendo nas areias da praia sobre os pés descalços dos dois, além de um distante e baixo alarido, quebravam aquele excitante momento, o casal seguia calado a bastante tempo em direção ao morro do careca, desde o começo do calçadão da praia, onde estacionaram a moto da Maria Rita. A praia estava cheia de gente aboletada na amurada que separava o calçadão das areias e das ondas.

O jovem casal queria curtir a lua aonde o silêncio fosse o tema do ambiente, Maria Rita quebrou esse silêncio uns cem metros antes de chegarem ao pé do morro:

MARIA RITA: Está quente demais. Acho que vou dar um mergulho. (Foi tirando a blusa, mostrando que como sempre, nada havia por baixo)

JOÃO PAULO: Eu também vou, ué! Vai tomar banho pelada?

MARIA RITA: Claro (Tirando a calcinha. Já havia jogado nas areias a blusa juntamente com o short jeans surrado ao lado das sandálias de dedo). Com uma lua dessas vou querer seus raios acariciando até a minha alma.

JOÃO PAULO: Sei não, se você não existisse, eu lhe inventava. (Vai tirando a roupa e empilhando sobre a da Maria Rita)

MARIA RITA: Vem logo João, a água está ótima.

JOÃO PAULO: To indo. (E corre prá água, mergulhando).

A brilhante lua do alto parecia cada vez mais poderosa e intimidante. Essa energia era percebida por alguns cães vagabundos que deviam estar farejando pelas areias, todavia encontravam-se paralisados, olhando para ela como que hipnotizados com as orelhas pontudas erguidas, talvez em respeito à magnífica visão. Na água nadavam sem roupas o casal de amigos em direção a um barco de pesca que se encontrava ancorado entre uma dezena deles na enseada da praia de Ponta Negra. Quem primeiro subiu foi a Maria Rita que em seguida ajudou o João Paulo a subir no barco, que estava recém pintado de azul e vermelho ainda cheirando a tinta e estava escrito em amarela laranja o nome de Java. Maria Rita falou rindo: “Até aqui me persegue esse menino. Quem? Perguntou João Paulo, assustando-se”.

MARIA RITA: (Apontando pro nome do barco) O Java meu irmão.

JOÃO PAULO: ah, engraçado, ele está sempre por perto.

MARIA RITA: Até mais do que deve, é um saco, estou com frio.

JOÃO PAULO: (Sentado sobre uma lona que cobre o barco) Vem prá cá que eu te esquento.

MARIA RITA: E você, acha que serve pra quê? Além de um belo objeto sexual.

JOÃO PAULO (Fazendo um biquinho feito criança com birra): Só pra isso é?

MARIA RITA: Isso é o que você faz de melhor. (Aproxima-se e coloca-se entre as pernas do amigo). Estou sentindo um cheiro de maconha no ar.

JOÃO PAULO: Deve ser algum pescador nesses barcos ao lado, fumando um e curtindo essa lua.

MARIA RITA: Até que cairia bem. (Falava e sentava-se sobre João Paulo)

JOÃO PAULO: Para de falar bobagem e presta atenção ao serviço.

Ambos riem e beijam-se demoradamente, acariciam-se, como já estão se conhecendo há mais de cinco meses pouco segredo no erotismo existe entre os dois, desde a primeira vez que ficaram foram até aonde o desejo lhes permitia, explorando e deixando se explorar cada vez mais pela libido sempre aflorada entre o casal. Maria Rita é mais afoita, direciona João Paulo para satisfazer seus ímpetos sexuais, o rapaz seduzido e inebriado pelo prazer, deixa-se conduzir, a lua agora se encontra bem sobre as suas cabeças, dourando o frenesi dos amantes, o barco chacoalha sobre as ondas, a corda da âncora que prende o pequeno barco, geme em contato com a madeira deixando o ambiente ainda mais excitante. Em poucos minutos o casal chega ao clímax, Maria Rita geme alto aproveitando o silêncio do lugar para deixar sua fantasia marcar presença.

João Paulo ao contrário, permanece em silêncio após o prazer, apenas observando a distante lua para em seguida assustar-se com a imagem a apenas dois metros de um homem bastante alto, devia ter mais de um metro e oitenta de altura, negro feito uma noite sem lua, totalmente nu e acariciando o seu órgão sexual, da pele negra gotas de água brilhavam com o reflexo da luz da lua, no rosto ostentava um sorriso luxurioso, só deu tempo de João empurrar com todas as forças que possuía a amiga Maria Rita com violência sobre a curta amurada do barco em direção ao mar, o barulho do corpo ao mar foi encoberto pelo pulo do forte negro sobre o corpo do pobre rapaz). Então você me quer sozinho é? – Gritou o gigante.

JOÃO PAULO: (Sentindo no rosto o bafo de maconha e cachaça do homem, misturado com suor e água do mar, viu-se com o rosto voltado para o chão de madeira do barco e preso por um golpe conhecido como mata leão, asfixiando-o) Por favor, está me machucando.

PESCADOR: Fique parado senão mato você e lhe pego de qualquer jeito depois, tá ligado?

(O negro era muito forte, João estava preso no golpe e sequer conseguia respirar, estava tentando achar uma maneira de escapar daquela eminente curra, mas seu pensamento era só em Maria Rita, esperava que ela conseguisse chegar a salvo na margem) Vamos lá rapaz, colabora depois lhe solto.
JOÃO PAULO: Seu filho de uma puta (O pescador tentava penetrar o rapaz que conseguia escapar das investidas, contorcendo o corpo) quem me garante que vai me deixar vivo.

PESCADOR: Eu (A resposta foi encoberta por um barulho de uma pancada seca, sobre a sua cabeça, desfalecendo-o e libertando o pescoço de João Paulo que aproveitando a situação, empurrou-o para o lado. Já se preparando para saltar do barco quando enxergou a figura da Maria Rita, nua com um remo de madeira na mão). Minha heroína! Gritou JOÃO PAULO. – Rápido, vamos embora, acho que o matei. (João Paulo chega até o individuo desacordado e comprova que ele ainda respira) Está vivo, vamos antes que ele acorde. (Pulam no mar).

MARIA RITA: (Nadando lado a lado e rindo) Achei que estava gostando do negão, demorei até um pouco em dar a bordoada, estava na dúvida.

JOÃO PAULO: Você está besta, pára com isso. Vamos mais logo, estou preocupado com nossas roupas.

MARIA RITA: É mesmo, esqueci de tudo, tomara que esteja tudo lá.

JOÃO PAULO: Vamos ver quem chega primeiro (Dar um selinho em Maria Rita e segue nadando em direção a praia)

MARIA RITA: E eu que pensava que teria um segundo tempo no barco, fazer o quê. (Nada em direção ao rapaz).

Na margem, João chega e percebe que nada foi mexido, respira aliviado, estava aflito porque lembrou da última vez que Maria Rita o convenceu a essa proeza, haviam ficado no prejuízo, estavam em Genipabu, sobre as dunas, coincidentemente na última lua cheia do mês passado, fizeram amor dentro da lagoa. Quando retornaram para o lugar aonde deixaram os seus pertences não encontraram mais nada, levaram tudo, foi um constrangimento geral, saíram caminhando pelados até a primeira casa que encontraram empurrando uma moto, o morador chamou a policia, foram levados até a delegacia enrolados em um lençol fedorento a urina que a dona da casa os cedeu, não houve constrangimento por parte da Maria Rita, ele ficou todo o tempo em silêncio procurando um buraco pra se esconder de tanta vergonha.

Os policiais até foram bem legais apesar de não tirarem os olhos do corpo de Maria Rita que coberta apenas por outro lençol roto, fino e bem transparente deixava as suas curvas bem salientes. O pior foi ter que providenciar todos os documentos surrupiados, e mais chato ainda foi o comportamento de Maria Rita que ria de tudo, parecia sob efeito de alguma droga, foi muito desagradável tudo aquilo, enquanto pensava nisso tudo João Paulo observou a amiga sair da água, nossa como era bonita e gostosa, por esse motivo valia muito a pena correr esse risco.

MARIA RITA: E então? Nossa! Agora estou com frio e também com fome. (Vestindo-se)

JOÃO PAULO: (Vestindo-se) Vamos comer uma pizza?

MARIA RITA: Ótima idéia. Vamos sim. (Caminha agora em direção contrária ao morro do careca).

JOÃO PAULO: Tenho algo pra gente.

MARIA RITA: Ih! Quando você vem com esse papo idiota da gente, sinto que vou me aborrecer.

JOÃO PAULO: Você é muito segura de si, chega às vezes a me irritar.

MARIA RITA: Desculpa João, mas é que você vem sempre com a mesma tecla, aposto que vai me pedir novamente em namoro não é?

JOÃO PAULO: E porque não? Eu gosto de você, você gosta de ficar comigo, arriscou-se por mim, pode dar certo.

MARIA RITA: Não quero, ainda não estou a fim de ficar com ninguém sério, eu quero só me divertir e com relação ao barco, eu faria isso por qualquer pessoa.

JOÃO PAULO: Tudo bem, mas mesmo assim valeu, já estava sentindo a coisa entrando.

MARIA RITA: Juro que eu achei que você estava gostando.

JOÃO PAULO: Não diga isso nem brincando, o negócio é duro.

MARIA RITA: E eu não sei, mas tudo é uma questão de momento, talvez não fosse o seu momento.

JOÃO PAULO: Esse momento pra mim não vai chegar nunca, vamos parar com esse assunto. Vamos falar da gente.

MARIA RITA: Eu fiquei preocupada, acho que bati com muita força. Acho que estava nos vendo desde que chegamos ao barco. (Pensativa)

JOÃO PAULO: Devia estar em algum barco vizinho, mas não se preocupe, ele ficou bem, pense em nós, vamos ter mais momento só nossos. (Tentou pegar na mão da amiga)

MARIA RITA: Namorando? (Ela não permitia que ele segurasse na sua mão)

JOÃO PAULO: Esse é o meu desejo. (Já estão bem perto do lugar aonde deixaram a moto)

MARIA RITA: Não e não, isso já está enchendo meu saco, quando eu tiver a fim de lhe pedir em namoro eu falo está bem? (Irritadíssima)

JOÃO PAULO: Isso tudo é prá poder ficar com outros caras não é?

MARIA RITA: Mais ou menos, o que eu quero é não perder o poder de decisão, de o quê ou com quem vou ficar, quero continuar me sentindo livre, adoro essa sensação de ser dona do meu nariz, não quero ninguém no meu caminho, entendeu? Nada contra você, acho você um tesão, gostoso, parceiro, boa cama, bom papo, bom gosto, excelente companhia, mas, é só. Não quero ninguém prá sempre, pelo menos por enquanto. Chegamos, foi uma boa caminhada.

JOÃO PAULO: Tudo bem, um dia lhe venço no cansaço. (Pegando o capacete que a Maria lhe passou) Obrigado.

MARIA RITA: (Rindo e subindo na moto)- Na de sempre?

JOÃO PAULO: Of course. (Saem rindo)
...NA PIZZARIA...

MARIA RITA: (Com a boca cheia de pizza, olha prá João como se perguntasse algo).

JOÃO PAULO: Está curiosa, não é? (Maria Rita concorda com um gesto de cabeça). Tudo bem olha aqui (Mostra duas passagens aéreas e vouchers) Vamos dar um passeio?

O Tango no Espelho – Capítulo 2

De Junior Dalberto
MARIA RITA: (Não resistindo e falando no meio da mastigação). Prá onde?
JOÃO PAULO: Tenha modos, não fale de boca cheia. Quarta próxima embarcamos logo cedo pro Rio, ficamos até o dia seguinte na casa dos meus pais prá você os conhecer e na quinta à noite pegamos outro vôo prá Buenos Aires, ficamos até o domingo à tarde, então voltamos num vôo direto para Natal, que tal?
MARIA RITA: Gostei muito da viagem, não vou ter problemas no trabalho porque tenho dez dias de férias prá gozar, só não gosto (bebe um pouco do refrigerante) é de ter que ficar na casa dos seus pais, algo me diz que vou me aborrecer.
JOÃO PAULO: Bobagem, meus pais são só um pouco diferentes, pouco tradicionais, mas dá pra agüentar. Vamos pedir a conta, ainda quero passar no supermercado e já são 22h30min. Vai dormir lá em casa?
MARIA RITA: Vou sim, amanhã é sábado, quero dormir até mais tarde, vou deixar você no supermercado, passar em casa, pegar algo prá vestir e encontro você em sua casa.
E seguiram o curso combinado.
João Paulo morava num excelente apartamento doado pelos pais de presente de aniversário, localizado bem próximo a um grande supermercado da Avenida Roberto Freire, já Maria Rita morava numa casa no final da Rua Manoel Congo na vila de Ponta Negra com sua mãe, uma riponga culta, esquizofrênica, paranóica, freqüentadora de clinicas psiquiátricas e viciada em drogas leves e antidepressivos, e ainda seu irmão Java, um menino de 07 anos apaixonado pela irmã que substitui a mãe sempre que ela surta.
MARIA RITA: (Ao entrar em casa, encontra a mãe e o irmão vendo TV) Boa noite.

D. JAIRA: Boa noite querida, bom que chegou, tenho que sair já, vou visitar a minha amiga Suelen, ela chegou ontem da clinica.
JAVA: Ela pirou de novo?
MARIA RITA: Mãe, vou precisar sair novamente e não vou dormir em casa.
JAVA: Grande novidade não se preocupe comigo que eu me viro sozinho.
D. JAIRA: Eu sei meu curumim, (acariciando a cabeça do menino) você já é um hominho, prometo não demorar, vou num pé e volto noutro.
JAVA: É ruim heim, com essa lua cheia de hoje sua cabeça deve tá massa.
MARIA RITA: Que é isso menino? Mãe, que houve com a Suelen?
D. JAIRA: A Suelen estava super deprimida, não conseguia mais nenhum trabalho de atriz, rodou meio mundo em Natal e vizinhança, desgostosa decidiu freqüentar aquela igreja evangélica lá no Pium aconselhada pela sua irmã Gilda, a Igreja Jesus é a semente, você sabe qual é, próxima a penitenciária de Alcaçuz.
MARIA RITA: Mãe, (Impaciente) conta logo a história, tenho que voltar; o João Paulo está me esperando.
JAVA: Acho-o meio boiola. (Falando prá si)
D. JAIRA: Sugar baby, não existe meio boiola, (irritada) todo gay é inteiro, nunca vi só uma bunda andando pela rua, tem pé, mão, corpo inteiro, ok? Respeite a diversidade.
MARIA RITA: MÃEEE! Termina a história.
D. JAIRA: Calma C....... (Palavrão), quer me deixar doida?, Tudo bem, ela começou a freqüentar a igreja aos domingos e resolveu dramatizar algumas cenas bíblicas- meninos! Foi um sucesso.  Começou com o nascimento de Jesus, claro que ela fazia a Maria e sempre colocava as cenas maiores para ela, adora aparecer.  Viveu domingo após domingo, diversas personagens bíblicas. Dizem que a Salomé foi um sucesso, a igrejinha do Pium agora vive superlotada, vem gente até de Natal prá ver suas interpretações religiosas, o pastor lhe dá a maior força. Porém, há uns quinze dias atrás a minha amiga Suelen resolveu dramatizar no culto um dos milagres de Cristo: ¨A cura de um endemoniado¨ e ela, claro, que seria o próprio, falou-me: Uma personagem forte, na qual ela exploraria o máximo do seu talento. (caminha até a geladeira prá tomar água, deixando propositalmente o suspense no ar).
JAVA: P..... Mãe termine esse c...... De história, já to nervoso.
MARIA RITA: Calma Java é isso que ela quer.
D. JAIRA: (Voltando meio aturdida) Vocês viram se tomei meu Lexotan?
JAVA: MÃEEEE! (Nervoso)
MARIA RITA: Toma de novo.
D. JAIRA: Vou tomar dois, assim me acalmo, (Pega dois comprimidos que estão sobre a geladeira, engole-os e bebe água). Bem, continuando, vocês sabem que a Suelen já viveu em Berlin, estudando teatro, pois então, no dia do culto, o combinado era que ela seria a possuída por uma entidade demoníaca, e o pastor iria lhe tirar o diabo do corpo.
Entretanto, após começar o espetáculo, como diz Suelen, ela gostou do personagem, por mais que o pastor lhe balançasse de um lado pro outro, lhe puxassem os cabelos, gritassem nos seus ouvidos, ela não abandonava a possessão. E prá piorar mais ainda a situação ela teve a infeliz idéia de xingar toda a igreja em alemão, já imaginou a cena?
Dizem que foi coisa prá mais de vinte minutos, toda a igreja orando de joelhos, assustados, o pastor já acreditando que aquilo era obra do inimigo e a louca da Suelen se divertindo horrores, xingando, esbravejando, parecia os discursos anti semitas do Hitler, para infortúnio da maluca, surge uma mulher de aproximadamente quarenta anos, que estava sentada lá nos fundos da igreja, e que fora ex-dançarina, ex-drogada e ex-prostituta.  Havia trabalhado com o corpo em cinco países europeus, possuía até carteira assinada de prostituta pela prefeitura de Paris.  Viveu os últimos cinco anos nos guetos alemães, de onde contraiu o vírus da AIDS.
Agora, freqüentava a mesma igreja da Suelen.  A ex-várias coisas diante da confusão armada dentro da igreja, caminhou com elegância ate a pseudo-possuída, chegou bem perto do ouvido da atriz e falou em fluente alemão: Eu sei que estás tirando onda com os irmãos, pára com isso agora ou eu abro o boca, e você sai daqui na porrada, tá ligada? Suelen surpresa, deixou o corpo pender pra o chão como num súbito desmaio, em seguida abre bem os olhos e olha para todos os lados, dramática- pergunta docemente ao público: O aconteceu? Dizem que os gritos alegres de aleluia, por verem a irmã atriz liberta do inimigo, ressoam até hoje em Tabatinga.

MARIA RITA: Sim e daí? Isso não é motivo prá ela ser internada.
D. JAIRA: No final do culto a ex – C......monte de coisas, foi até o pastor e relatou toda a história do xingamento em alemão, o pastor chamou a cúpula da igreja juntamente com a minha amiga e colocou-a de joelhos no centro da igreja, passaram toda a noite orando por ela, diziam que ela foi realmente possuída pelo inimigo para fazer aquela perturbação, foi tanta lavagem na mente da minha amiga, que a pobre Suelen surtou, saiu da igreja dentro de uma ambulância da SAMU direto pro hospital dos doidos. Teve alta ontem.
MARIA RITA: Só assim ela abandona essa idéia maluca.
D. JAIRA: Quem disse? Ela já me ligou hoje, falando que já aprontou a próxima resenha, vai viver no próximo domingo a Maria Madalena, fez modificação na história da ex-pecadora.  Quem grita, atire a primeira pedra, será ela própria e não o Cristo, já está até produzindo pedras cinematográficas que serão entregues no inicio do culto, caso alguém se emocione com sua interpretação e resolva lhe atirar pedras. Fazer o quê com minha companheira de clínica? No mínino prestigiar! No domingo irei ver o espetáculo e aplaudir.  Bem, chega desse assunto, (já na porta e saindo) Fui.
JAVA: Essa nossa mãe!
MARIA RITA: Você tem meu número de celular, qualquer coisa me liga, ok? (Beija o menino na testa)

JAVA: Tchau. (Diante da TV, sem olhar prá irmã).
Após caminhar durante vinte e cinco minutos pela Rua Manoel Congo, D. Jaira passou pela praça do cruzeiro e observou que a casa da amiga Suelen estava fechada com as luzes apagadas, resolveu seguir até a praia. Precisava de um bom banho de mar, com os logos e soltos cabelos crespos, D Jaira estava com 44 anos e aparentava bem menos apesar dos problemas depressivos, era magra, com 1,70 de altura e bonita.Vestia uma curtíssima blusa de algodão fina e florida em tons azuis que deixava o umbigo de fora, trajava também uma pequena saia jeans, customizada de uma antiga desbotada calça Lee. Enquanto caminhava em direção a praia, pensava em como eram legais os seus filhos, nunca questionaram a falta do nome do pai na certidão de nascimento, se bem, que também ela não sabia, coincidentemente os dois foram gerados nos festivais rock in rio, a Maria Rita no primeiro do Rio de Janeiro, durante o show do Ozzy Osbourne, numa das barracas de Deus sabe quem, porque ela não se lembra de nada além de muita droga, sexo, musica e bebidas. Tinha apenas dezesseis anos. 
O Java é fruto do Rock in Rio em Lisboa de 2004, dele consegue lembrar um pouco da fisionomia do rapaz, acha que era um marroquino, moreno, lindo, gostoso, de olhos negros sedutores que o pequeno Java herdou.  Lembra ainda que fumaram bastante haxixe, terminando fazendo amor numa tenda cigana, foi também muito legal, mas como o pai de Maria Rita, esse também sumiu com os acordes das guitarras dos metaleiros.

A brisa marinha trouxe o cheiro do mar até D. Jaira, o som das marolas das ondas nas areias da praia, já chegavam aos seus ouvidos, mais uns vinte metros e estaria mirando o mar de Ponta Negra, a lua já estava longe, deve ser próximo de meia noite (Pensou). Terminou de descer a ladeira, dobrou à direita em direção ao morro do careca, sobressaltou-se com a visão de um homem sentado sem camisa sobre o banco de uma jangada nas areias da praia em frente da pousada da Pipa.
Ao se aproximar curiosa, viu que era um negro que exibia escancaradamente um peitoral perfeito, de onde parecia querer saltar pela forte respiração, os intumescidos bicos dos mamilos, vestia apenas uma calça branca no estilo dos capoeiristas da vila, fumava e olhava pro mar com um olhar perdido na imensidão, excitada, a D. Jaira dirigiu-se até a jangada onde o homem estava, observou que o mesmo não devia ter mais de trinta anos, alto e com um físico magnífico, o rapaz ao vê-la se aproximar, deu um largo sorriso mostrando a brancura dos dentes perfeitos, era um belo exemplar de macho. (Pensava com desejo D. Jaira).
D. JAIRA: Tudo bem? Tem outro cigarro?
MESTRE DADO: Tenho desse, e de outro bem melhor.
D. JAIRA: Oba, já vi que vamos nos entender, (Estendendo a mão, e olhando prá distante lua) prazer Eva Luna.
MESTRE DADO: Mestre Dado. (Apertou a mão segurando um pouco, para em seguida passar um baseado pra mulher) Acendo?
D. JAIRA: Claro, você é novo por aqui? Hei, sua cabeça está sangrando?
MESTRE DADO: Estou aqui há dois meses, vim de Santos, trabalhar com meu irmão, está vendo aqueles dois barcos ali? (Aponta para a baia da praia onde estão alguns barcos) trabalho neles também, são do meu irmão. E nas horas vagas dou aula de capoeira na vila.
D. JAIRA (Repetindo) Tem um ferimento na sua cabeça, deixe ver.
MESTRE DADO: Machuquei-me no barco, bati a cabeça.
D. JAIRA: (Aproxima o rosto da cabeça do homem e fica excitadíssima com o cheiro da pele molhada). Está seco, se quiser posso lhe fazer um curativo lá em casa, quer?
MESTRE DADO: Vamos fazer o seguinte, molhar com água salgada também é bom, vamos tomar um banho. (Foi falando e tirando a calça, não vestia cueca, deixando a D. Jaira sem fala com a beleza do corpo do pescador capoeirista e sua bem dotada natureza, ela o seguiu em silêncio, fumou rapidinho o baseado, o tempo parecia voar, desejava ardentemente uns cinco lexotans para entender aquilo tudo, estava de bobeira com aquele presente, só podia ser coisa de Iansã, foi entrando na água ainda de saia e blusa, o mestre Dado foi quem chegou junto dela, pegou delicadamente no queixo de D. Jaira e colou os seus carnudos lábios na sua boca num prolongado beijo, ela não sabia mais o que sentia,um calor inundou todo o seu corpo, suava em bicas, o corpo todo tremia, será que, seria talvez por causa de tantas substâncias químicas na cabeça ou apenas tesão mesmo, ele ajudou a tirar a sua roupa, e ela deixou-se levar pelo desejo.